quinta-feira, 14 de outubro de 2010

John Dewey - Democracia e Educação

Nossa conclusão essencial é que a vida é desenvolvimento e que o desenvolver-se, o crescer é a vida. Traduzindo em termos educacionais equivalentes, isto significa: 1º) que o processo educativo não tem outro fim além de si mesmo: ele é seu próprio fim; e que 2º) o processo educativo é um contínuo reorganizar, reconstruir, transformar. (DEWEY, 1936 p. 75).


1. Introdução

Nas aspirações e reflexões sobre educação é comum deparar-se com preocupações como: a necessidade de unir teoria e prática nos processos de ensino-aprendizagem; valorizar a capacidade de pensar do aluno; preparar os alunos para questionar a realidade. Tais preocupações perpassam as tematizações e concepções de John Dewey (1859-1952), pensador que influenciou educadores de várias partes do mundo. Ele desenvolveu sua obra nos EUA durante a última metade do século XIX e primeiro do século XX. Dewey presenciou momentos políticos e econômicos – como o fim da Guerra Civil Americana, o desenvolvimento tecnológico, a Revolução Russa e a crise de 1929 – que por certo influenciaram sua filosofia educacional. Dewey também foi influenciado pelo experimentalismo das Ciências Naturais (o qual aplicou ao método filosófico e à didática) e acabou por ser um dos principais contribuidores da divulgação dos princípios da Escola Nova; movimento que teve seu auge no Brasil com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932.

Desta forma é possível afirmar que Dewey é o nome mais célebre da corrente filosófica que ficou conhecida como pragmatismo, embora ele preferisse o nome instrumentalismo – uma vez que, para essa escola de pensamento, as idéias só têm importância desde que sirvam de instrumento para a resolução de problemas reais. No campo específico da pedagogia, a teoria de Dewey se inscreve na chamada educação progressiva. Um de seus principais objetivos é educar a criança como um todo. O que importa é o crescimento – físico, emocional e intelectual.

Dos muitos escritos de John Dewey tratar-se-á aqui de sua obra “Democracia e Educação – uma introdução a filosofia da educação”. O livro Democracia e Educação tem publicação em 1916, sendo composto de 26 capítulos conforme seguem: Capítulo 1 Educação como uma necessidade da vida; Capítulo 2 Educação como função social; Capítulo 3 educação como Direção; Capítulo 4 Educação como Crescimento; Capítulo 5 Preparação, desdobramento e disciplina formal; Capítulo 6 Educação conservadora e progressiva; Capítulo 7 A Concepção Democrática da Educação; Capítulo 8 Objetivos na Educação; Capítulo 9 Desenvolvimento Natural e Eficiência Social como aspirações; Capítulo 10 Interesse e Disciplina; Capítulo 11 Experiência e Pensamento; Capítulo 12 Pensamento na Educação; Capítulo 13 A natureza do método; Capítulo 14 A natureza do assunto; Capítulo 15 Brincar e Trabalhar no Currículo; Capítulo 16 O Significado de Geografia e História; Capítulo 17 Curso de Estudo em Ciências; Capítulo 18 Valores educativos; Capítulo19 Trabalho e lazer; Capítulo 20 Estudo intelectual e prática; Capítulo 21 Estudo Físico e Social: Naturalismo e humanismo; Capítulo 22 O indivíduo e o mundo; Capítulo 23 Aspectos da Educação Profissional; Capítulo 24 Filosofia da Educação; Capítulo 25 Teorias do Conhecimento; Capítulo 26 Teorias da Moral.

Nesta apresentação serão esboçados os conteúdos do capítulo I ao capítulo VI. A guisa de introdução é importante salientar que o livro “Democracia e Educação” é considerado uma das obras fundamentais na produção bibliográfica do pensador John Dewey, por desenvolver teses inovadoras sobre a filosofia, o pensamento reflexivo e a escola como instrumento de transformação social e, conforme ventilado anteriormente, influenciará no pensamento escolanovista brasileiro e em especial os postulados do educador brasileiro Anísio Teixeira.

Esta obra versa sobre filosofia da educação em conceitos de uma educação democrática onde o conhecimento e o seu desenvolvimento são concebidos como um processo social – integrando os conceitos de "sociedade" e indivíduo . Para Dewey, em Democracia e educação, o indivíduo somente passa a ser um conceito significante quando considerado parte inerente de sua sociedade – enquanto esta nenhum significado possui, se for considerada à parte, longe da participação de seus membros individuais.

2. Capítulo – Educação como Necessidade de Vida

O capítulo I de Democracia e Educação abre as reflexões da obra com um apelo a identificação da vida com os processos de renovação e transmissão afirmando que “a distinção mais notável entre os seres vivos e inanimados é que os primeiros se conservam pela renovação” (DEWEY, 1936 p.19). Talvez seja por isso que o autor irá denominar este capítulo com o título epigráfico “A Educação como Necessidade de Vida”. Observa-se já no título que Dewey evoca a vida para falar de educação e assim compara o processo educativo ao desenvolvimento da bios . Esta comparação é explícita no resumo do capítulo onde o autor sintetiza da seguinte forma: “A educação é para a vida social aquilo que a nutrição e a reprodução são para a vida fisiológica” (DEWEY, 1936 p. 29).

Este capítulo é dividido em três blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) A renovação da vida pela transmissão; 2) Educação e comunicação; 3) O papel da educação formal.

Quando Dewey trata da renovação da vida pela transmissão, embora haja a comparação entre a vida em termos biológicos e da vida em termos das relações sociais, revela uma relação entre a continuidade/renovação da vida por intermédio da ação sobre o ambiente . Neste sentido ele apela ao sentido de sobrevivência e, portanto, a própria continuidade da vida. Ele estende os conceitos e emprega o termo experiência para designar “vida” relacionada a “costumes, instituições, crenças, vitórias e derrotas, divertimentos e ocupações” (DEWEY, 1936 p. 20). Assim ele aplica a concepção de renovação da vida através da transmissão da experiência. “Com o renovar da existência física, também se renovam, no caso dos seres humanos, as crenças, idéias, esperanças, venturas, sofrimentos e hábitos” (DEWEY, s.d.: 20). Neste sentido, a educação é a salvaguarda desta renovação e, portanto, da própria “continuidade social da vida” (DEWEY, 1936 p. 20).

A garantia desta renovação se dará na transmissão, por meio da comunicação. Dewey trata desta questão em Educação e Comunicação, onde frisa a necessidade de ensinar e aprender para a existência social. “A sociedade não só continua a existir pela transmissão, pela comunicação, como também se pode perfeitamente dizer que ela é transmissão e é comunicação.” (DEWEY, 1936 p.23) Desta forma ao mesmo tempo em que a vida social exige o ensino e aprendizagem para sua renovação ela mesmo se torna educativa, pois o processo de viver juntos educa. Neste sentido a educação passa então a ser vista como uma experiência de compartilhar experiências, mediado pela comunicação .

Uma vez que a educação se dá no processo de relação social cabe a pergunta sobre o lugar da educação formal (terceiro e último bloco deste capítulo). Dewey não se olvida desta questão e fala sobre a educação informal e incidental – que ocorre naturalmente nas relações sociais – e a educação formal e intencional – que visa à formação. Neste ponto há a tentativa de justificar o papel da escola enquanto instituição educativa formal. Como afirma Dewey:

Sem essa educação formal é impossível a transmissão de todos os recursos e conquistas de uma sociedade complexa. Ela abre, além disso, caminho a uma espécie de experiência que não seria acessível aos mais novos, se estes tivessem de aprender associando-se livremente com outras pessoas, desde que livros e símbolos do conhecimento têm que ser aprendidos. (DEWEY, 1936 p. 27).

Assim cabe a escola uma tarefa difícil, a de manter o equilíbrio entre as experiências adquiridas nas relações sociais e as experiências aprendidas na própria escola. Dewey culmina o capítulo alertando para este fato comum das sociedades industrial e tecnologicamente desenvolvidas: “Este perigo nunca foi maior do que nos tempos atuais, em vista do rápido desenvolvimento, nos últimos poucos séculos, dos conhecimentos e espécies de aptidões técnicas” (DEWEY, 1936 p.29).

3. Capítulo 2 – Educação como Função Social

O capítulo II de Democracia e Educação dá continuidade às reflexões da relação entre educação e vida social e eleva o papel da educação para além da ação de transmitir conhecimento; neste capítulo Dewey apresenta a Educação como Função Social. Nas palavras de Dewey: “Neste capítulo trataremos em linhas gerais do modo pelo qual um grupo social conduz os imaturos à sua própria forma social.” (DEWEY, 1936 p. 39).

Este capítulo é dividido em quatro blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) Natureza e significação do meio; 2) O ambiente social; 3) O meio social como fator educativo; 4) A escola como ambiente social.

No primeiro bloco encontra-se uma formulação clássica de que o conhecimento transmitido aos mais jovens é circunstanciado pela ação do meio ambiente em que vive. Assim o meio consiste em condições que promovem ou dificultam as experiências do indivíduo e seu modo de proceder e agir; isto “porque a vida não significa mera existência passiva” (DEWEY, 1936 p. 32).

No segundo bloco Dewey passa a destacar a importância do ambiente social como espaço para realização/troca entre companheiros que estão ligados no exercício de atividades comuns, com ênfase, neste sentido, para a relação e dependência social. Da mesma forma como anteriormente fora destacado a influência do meio ambiente sobre o indivíduo, agora Dewey desta a influência do grupo e, portanto, do meio social para a formação dos hábitos e das próprias relações sociais.

Desta forma, o meio social é tratado em seu aspecto educativo, assunto do terceiro bloco deste capítulo. De acordo com Dewey “nossas faculdades de observar, recordar e imaginas não funcionam espontaneamente, mas são movidas pelas exigências impostas pelas ocupações sociais habituais.” (DEWEY, 1936 p. 38).

Contudo, à medida que a sociedade se torna mais complexa, é necessário perceber um ambiente social especial a fim de distinguir a ação educativa como ato casual do meio e a escolha intencional do meio como instrumento educativo. Dewey afirmará, no quarto bloco e, portanto, encerrando este capítulo que este meio social, especialmente preparado para influir na direção mental e moral dos que o freqüentam é a escola (DEWEY, 1936 p. 40). Ele ainda estabelece três funções importantes da escola, enquanto meio social educativo:

(...) simplificar e coordenar os fatores da mentalidade que se pretende desenvolver; purificar e idealizar os costumes sociais existentes; criar um meio mais vasto e melhor equilibrado do que aquele pelo qual os imaturos, abandonados a si mesmos, seriam provavelmente influenciados. (DEWEY, 1936 p. 44).

4. Capítulo 3 – A Educação como Direção
No capítulo III de Democracia e Educação, Dewey passa a tratar da educação, especialmente o ensino, como ação diretiva e denomina propositalmente este capítulo de Educação como direção. Dewey trata a questão da educação como direção sob os aspectos da orientação e ordenação traduzindo a idéia de que o ato educativo ocorre através de cooperação das capacidades dos indivíduos guiados em uma determinada linha contínua. Dewey não descarta aqui os termos controle e estímulo, mas prefere o sentido de direção.

Este capítulo é dividido em quatro blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) O meio como fator de direção; 2) Modalidades de direção social; 3) A imitação e a psicologia social; 4) Algumas aplicações a educação.

O autor abre o capítulo, no primeiro bloco, afirmando que por natureza os jovens não se harmonizam com os padrões sociais já construídos pela vida adulta. Entretanto, tais padrões sociais construídos e o próprio ambiente servirão como estímulos para o desenvolvimento de atividades dos mais jovens. Como estes estímulos por si só não são suficientes faz-se necessário a direção por meio da orientação e ordenação afim de que as atividades dos mais jovens respondam a ordenação do ambiente social.

Dewey continua esta reflexão e exemplifica através de modos de direção social, assunto do segundo bloco deste capítulo. Ele afirma que os adultos são naturalmente conscientes de seu papel na direção\orientação\controle do comportamento dos mais jovens. Entretanto, indica que esta direção não é pessoal, mas intelectual, ou seja, a direção ocorre quando os hábitos são participados e compreendidos. Conforme salienta Dewey:

Quando as vão para a escola já possuem juízo – têm conhecimentos e aptidões para julgar, aos quais se pode recorrer por meio do uso da linguagem. Mas estes juízos nada mais são que os hábitos coordenados de reações inteligentes que anteriormente foram necessárias para o uso das cousas em relação com o modo por que as outras pessoas usavam. Esta influência é inevitável; dela se impregnam as atitudes mentais. (DEWEY, 1936 p. 56).

No terceiro bloco Dewey fala da direção educativa discutindo imitação e psicologia social onde crítica o simples ato da imitação no processo educativo. Ele apela para o sentido de psicologia social justificando mais uma vez a importância das relações e da disposição mental em compreender as atividades onde os atores estejam envolvidos e, portanto, a formação de certa mentalidade que os torne participantes de tais atividades.

No quarto bloco deste capítulo – algumas aplicações a educação – Dewey sintetiza a proposta do capítulo na seguinte fala:

A essência da direção social é esta compreensão comum dos meios e dos fins. Ela é indireta, ou sentimental e intelectual, e não direta ou pessoal. Além disso, é disposição intrínseca da pessoa e, não, externa ou coercitiva. O fim da educação é conseguir esta direção interna por meio da identidade de interesse e compreensão. (...) Para sua plena eficiência, as escolas precisam de mais oportunidades para atividades em conjunto, nas quais os educandos tomem parte, a fim de compreenderem o sentido social de suas próprias aptidões e dos materiais e recursos utilizados. (DEWEY,1936 p. 64)


5. Capítulo 4 – A Educação como Crescimento

O quarto capítulo de Democracia e Educação, A educação como crescimento, irá abordar as condições e implicações do crescimento com destaque que a capacidade de crescer é decorrente da necessidade dos outros e o poder de aprender (plasticidade) e que ambos têm seu auge na infância e adolescência. Por isso, mais uma vez a importância da educação, pois a sobrevivência da sociedade “dependerá em grande escala da direção dada anteriormente a atividade infantil” (DEWEY1936 p. 65).

O capítulo é dividido em três blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) Condições de crescimento; 2) Os hábitos como manifestações do crescimento; 3) A significação educacional do conceito de desenvolvimentos.

Ao falar sobre as condições para o crescimento, no primeiro bloco, embora Dewey parta de que a primeira condição para o crescimento é a imaturidade, deixa claro que emprega o termo referindo-se a uma força ou aptidão positiva e não uma lacuna ou ausência. Sendo assim, insta para a importância do cuidado com a infância como momento oportuno para se adquirir novas aptidões e conhecimentos. Como ele mesmo destaca:

A crescente complexidade da vida social requer cada vez mais prolongado período de infância para se adquirirem as necessárias aptidões; e prolongamento de dependência corresponde a prolongamento da plasticidade ou faculdade de se adquirirem novos e vários modos de direção. E, em conseqüência, maior impulso ao progresso social. (DEWEY, 1936 p. 70)

No segundo bloco ele continua a tratar da plasticidade da criança, ou de aprender com a experiência e a conseqüente formação de hábitos. Deixa clara a crítica aos maus hábitos ou a simples repetição. Recorre então ao sentido dos hábitos para o que ele chama de fins humanos, ou seja, hábitos que auxiliem o indivíduo na adaptação ao seu ambiente social. Desta forma irá classificar os hábitos em passivos (na atividade orgânica com o meio, fornecendo, portanto, base para o desenvolvimento) e hábitos ativos (condições para readaptar a atividade a condições novas, portanto, constituindo o próprio desenvolvimento).

Quando Dewey trata da significação educacional do desenvolvimento, no terceiro bloco, ele estabelece uma simbiose entre educação e desenvolvimento, como se ambos passassem a constituir uma relação tão intrínseca a ponto de se tornarem uma só e, portanto, uma característica da própria vida. Ele conclui o capítulo evocando a relação entre desenvolvimento e educação nos seguintes termos: “O desenvolvimento não tem outro fim a não ser ele próprio. O critério do valor da educação escolar está na extensão em que ela suscita o desejo de desenvolvimento contínuo e proporciona meios para esse desejo.” (DEWEY, 1936 p. 79).

6. Capítulo 5 – Preparação, Desdobramento e Disciplina Formal.

Depois de tratar a educação como um processo contínuo de desenvolvimento, Dewey passa a trabalhar, no quinto capítulo – Preparação, Desdobramento e Disciplina Formal – a educação voltada para o presente do educando, para isso faz críticas a modelos educativos que tratam a criança como candidato a vida adulta. Ele ainda insiste na sua argumentação de que a educação enquanto processo de desenvolvimento não consiste na idéia de preencher um vazio ou uma lacuna.

O quinto capítulo é dividido em três blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) A educação como preparação; 2) A educação como desdobramento; 3) A educação como o adestramento das faculdades.

Na primeira da parte do quinto capítulo Dewey inicia sua crítica ao processo educativo que tenta perceber a educação como preparação a fases futuras da vida. A crítica não se acentua no aspecto da preparação em si, pois argumenta que a preparação ocorre naturalmente em qualquer processo educativo uma vez que o futuro é inevitável; mas antes sua crítica recai no aspecto de se querer transformar “essa preparação no real esforço presente” (DEWEY, 1936 p.82). Argumenta ainda que o desenvolvimento não é algo que se completa em alguma fase da vida, mas que este “é um contínuo conduzir para o futuro” (p. 82). Desta forma, insta seus leitores a se aperceberem da importância de investir as energias na educação presente tornando esta experiência mais rica e significativa possível. Como o presente inevitavelmente se transformará em futuro significa que cuidando do presente se estará também garantindo o futuro.

Dewey continua sua crítica aos modelos educativos que, a seu ver, trabalham equivocamente o sentido de desenvolvimento. No segundo bloco deste capítulo ele passa então a criticar a educação enquanto desdobramento. Segundo a percepção da educação como desdobramento o desenvolvimento é apenas um movimento para atingir-se uma determinada plenitude. Neste sentido, o ser é visto como possuindo faculdades latentes que ainda não foram exteriorizadas, sendo que o desenvolvimento é apenas um meio de exteriorizar tais faculdades. Uma vez exteriorizadas elas irão desdobrar-se em capacidades e realizações. Observa-se que neste bloco Dewey, além de criticar tal modelo de perceber o desenvolvimento, dialoga criticamente com Rousseau, Froebel e Hegel.

No terceiro bloco Dewey passa agora a tecer críticas e considerações a respeito da teoria da disciplina formal. Segundo Dewey (1936) esta teoria “tinha em vista o ideal legítimo de que o resultado do processo educativo seria o criarem-se aptidões especiais para as realizações". (p. 88). Neste sentido o processo educativo seria de adestramento por meio de repetição de algumas faculdades inatas. Dewey ainda acentua que, da mesma forma como a preparação e o desdobramento, a disciplina formal trata o processo e ação educativa como algo exterior e indiferente ao desenvolvimento e continua a insistir que não deve haver cisão entre desenvolvimento e educação.

7. Capítulo 6 – Educação Conservadora e Progressiva

No sexto capítulo Dewey passa a tratar educação concebida retrospectivamente (conservadora) e prospectivamente (progressiva). Para isso isto irá tratar de teorias em que, a seu modo de ver, a educação e o processo de desenvolvimento não serão vistos como aperfeiçoamento ou desdobramento. Ao tecer considerações sobre educação conservadora e progressista o autor destaca a relação entre ambas e afirma que: “(...) pode-se considerar como o processo de adaptar o futuro ao passado, ou como utilização do passado como um dos recursos para o desenvolvimento do futuro.” (DEWEY, 1936 p. 110).

O sexto capítulo é dividido em três blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) A educação como formação; 2) A educação como recapitulação e retrospecção; 3) A educação como reconstrução.

Na teoria da educação como formação, conteúdo do primeiro bloco do sexto capítulo, o espírito é formado, como salienta Dewey na apresentação da teoria, através do ato educativo externo por meio da instrução. Neste sentido, dá-se importância exagerada aos métodos e a figura do instrutor, denominado por Dewey como mestre-escola. Dewey critica esta teoria apontando sua fragilidade em desprezar a contínua relação entre atividades inatas e materiais do ambiente social.

O segundo bloco pode ser sintetizado na seguinte apresentação da teoria da educação como recapitulação e retrospecção, segundo a crítica apresentada por Dewey:

Uma combinação particular das teorias do desenvolvimento e da formação efetuados do exterior para o interior deu origem a teoria da educação como recapitulação biológico e cultural. O indivíduo desenvolve-se, mas seu conveniente desenvolvimento consiste em repetir em estágios ordenados a evolução passada da vida animal e da história humana. (DEWEY, 1936 p. 101).

Dewey ainda afirma que a teoria da educação como recapitulação e retrospecção teve pouca adesão, encontrando apenas refúgio nos continuadores da escola de Herbart (principal nome histórico da teoria da educação como formação).

Ao tratar da educação como reconstrução, no terceiro bloco do capítulo seis, Dewey estabelece a concepção de que a educação é um constante reorganizar ou reconstruir da experiência. “Ela tem sempre um fim imediato, e, na proporção em que a atividade for educativa, ela atingirá esse fim – que é a transformação direta da qualidade da experiência.” (p. 106). Assim ele aponta para o chamará de definição técnica da educação, ou seja, a educação como reconstrução e reorganização da experiência a fim de dirigir as experiências posteriores.

Ele conclui o sexto capítulo com uma reflexão e resumo do que tratou nestes seis primeiros capítulos. Segundo Dewey:

As idéias sobre a educação expostas nestes primeiros capítulos resumem-se formalmente na concepção da continua reconstrução da experiência, concepção que se distingue da educação como preparação para um futuro remoto, como “desdobramento”, como formação externa e como repetição do passado. (DEWEY, 1936 p. 110).


REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA
DEWEY, John. Democracia e Educação. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1936.
CUNHA, Marcus Vinicius da JOHN DEWEY: democracia e educação, capítulos essenciais. São Paulo, Ática, 2007.

JORGE NAGLE

Ao mesmo tempo que situei a década de 20 como uma encruzilhada na história brasileira, incluindo a questão mais ampla da República – ou melhor, o da “republicanização da República” –, esforcei-me para apresentar indicadores desse estado de coisas.


1. Introdução

Em 1974, o professor Jorge Nagle, da Universidade Estadual de São Paulo, campus de Araraquara, publicou a obra Educação e sociedade na primeira República, resultado de sua tese de doutorado. Este livro marcou a história e historiografia da educação brasileira e compõe, juntamente com outras obras de referência em educação, parte da galeria das obras essenciais em educação no século XX. Trata-se, assim, de um livro cuja trajetória, nesses quase quarenta anos de sua primeira publicação, confunde- se com a própria trajetória recente da reflexão educacional, pela influência exercida sobre aqueles que mais ultimamente a vêm alimentando. Desta forma é possível afirmar que Nagle, e sua referida obra, constituem marca indelével nas composições historiográficas da educação brasileira. A obra de Jorge Nagle pode ser considerada uma referência da historiografia educacional dos anos 70, pois apresenta categorias de análise – entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico - ainda hoje usadas

A síntese deste trabalho de Nagle é encontrada em seu artigo “Trajetórias da pesquisa em história da educação no Brasil” e no capítulo “A educação na primeira República”, este último publicado no segundo volume da obra O Brasil Republicano, do historiador e organizador Boris Fausto .

Este presente trabalho busca dialogar com o capítulo escrito por Nagle no segundo volume da obra de Boris Fausto, capítulo VII “A Educação na primeira República” . A escolha é resultado da leitura do referido capítulo e dos apontamentos realizados no seminário sobre Jorge Nagle no grupo de estudo epistemologia e educação, coordenado pelo prof. Reginaldo Plácido e com participação de alunos\as do Núcleo de Formação de Docentes do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix no 2º semestre de 2010.


2 Educação na Primeira República

Antes de iniciar a apresentação do texto A educação na Primeira República, de Jorge Nagle, cabe pontuar a divisão didática destacada no decorrer da leitura do capítulo. Tal divisão pode ser sumariada da seguinte forma: o arrefecimento do fervor ideológico; o entusiasmo pela educação; o otimismo pedagógico; o Estado e a educação; a administração escolar; a escola primária e a escola normal; a escola técnico-profissional; a escola secundária e superior; a penetração da Escola Nova; a literatura educacional; a herança da Primeira República. Os temos orbitam em torno das categorias criadas por Nagle “entusiasmo pela educação” e “otimismo pela educação”.

Já na abertura do texto o autor procura advertir para questão cronológica, afirmando que “nem a República se implanta a partir de 1889 nem a Primeira República termina em 1930” . Esta advertência é importante, pois deixa claro que os ideais republicanos, no Brasil, têm origem anterior a proclamação da República bem como os sistemas políticos agrários e oligárquicos também não se encerram com o início da era Vargas. Assim o recorte “Primeira República” é utilizado para situar a discussão sobre a educação nos limítrofes do fim do Império e a era Vargas. É nestes limítrofes que a discussão educacional brasileira transita nos discursos republicanos sendo, às vezes, utilizada como correia de transmissão do ideário desta nova\velha República. Assim, o recorte compreendido entre 1889 a 1930 foi importante porque caracterizou alguns momentos relacionados aos trâmites de desenvolvimento da educação por ocasião da implantação do sistema republicano.


2.1 O arrefecimento do fervor ideológico

Na transição do Império para a República houve movimentos ideológicos que, embora de caráter distinto entre si, vociferavam sobre as precárias condições educacionais e da importância de uma política nacional de educação. a educação, ao lado da democracia e federação, seria precursora da redenção nacional que caracterizaria a República. Assim, a República herdou dos anos finais do Império “um acervo rico para pensar e repensar uma doutrina e um programa de educação.” Entretanto, este fervor ideológico suscitado na fase final do Império esfria nos primeiros anos de República. Nagle nomina este momento como “arrefecimento do fervor ideológico”, identificando este período como o momento em que primeiro foi necessário primeiro compor a nova liderança do sistema republicano. O autor ainda destaca que, apesar do arrefecimento na questão da educação houve movimentos restritos na área da educação como, por exemplo, a Reforma Benjamim Contant (1890) e a Reforma Caetano Campos (1892). Entretanto, estes movimentos foram exceção nesta época. Como afirma o próprio Nagle:

Mas a verdade é que depois dos anos iniciais do regime republicano instala-se um clima de modo geral alheado de discussões vigoras e de planos inovadores. Os quinze primeiros anos deste século são marcados por um comportamento desalentador dos poucos homens públicos que ainda conservavam a esperança inicial na difusão ampla dos novos costumes e modos de pensar, em conseqüência das proclamadas virtudes do regime bem como da multiplicação e diversificação das instituições escolares.


2.2 O entusiasmo pela educação

A partir de 1915 os republicanos começam a se redimir deste arrefecimento e iniciam um novo momento que Nagle categoriza como “entusiasmo pela educação”. Este movimento que, por meio da difusão do processo educacional, buscava a “republicanização da república” voltou-se especialmente para a escola primária ,escola popular. Cabe destacar o viés nacionalista deste movimento e, por isso, ligado aos discursos nativistas da época em que a educação estava associada a regeneração nacional e, portanto, a constituição de uma nova sociedade brasileira. Assim a principal característica do entusiasmo pela educação é a difusão da escola.

Este movimento, segundo Nagle, inicia-se com as conferências de Olavo Bilac e na formação de ligas e movimentos nacionalistas, que visavam proclamar contra “a gravidade da situação moral” através do serviço militar (para fazer frente aos perigos externos) e na instrução (para fazer frente aos perigos internos).

Os movimentos nacionalistas propunham acabar com a abstenção eleitoral e contra as fraudes eleitoreiras da época. Cabe frisar que o exercício do direito ao voto era restrito aos alfabetizados. Por isso, para combater a “aristocracia dos que sabiam ler e escrever” era necessário uma luta contra o analfabetismo. Assim, alfabetizar significava proporcionar a aquisição de direitos políticos. Isto explica, em parte, o interesse nas discussões e disseminação da educação popular. Tais discussões, antes restritas ao Congresso Nacional ganham novas proporções fomentando desde o surgimento de editoriais pioneiros (Biblioteca de estudos pedagógicos e Coleção Pedagógica) a criação da primeira Universidade oficial brasileira (Universidade do Rio de Janeiro -1920). O entusiasmo marca a difusão da escola e o surgimento dos profissionais da educação.

 
2.3 O otimismo pedagógico

Enquanto no entusiasmo pela educação havia a preocupação com a difusão da escola, no otimismo pedagógico (outra categoria de Nagle) há a crença nas virtudes de novos modelos, pela substituição de um modelo por outro baseado, portanto, na remodelação. Nagle destaca que a forma mais acabada de otimismo pedagógico se concretizou na introdução sistemática das idéias da Escola Nova a partir de 1927.

Com as reformas estaduais das escolas primárias e secundárias, realizou-se o ideário do escolanovismo, que tem como objetivo deslocar o aluno para o centro das reflexões escolares,onde era promovido novos valores ,novas disciplinas,novo significado. Destas reformas estaduais destacam-se: Minas Gerais (1927), Distrito Federal (1928), Pernambuco (1929) e São Paulo (1930). O otimismo pedagógico acentuou as propostas do entusiasmo pela educação e ampliou propondo não apenas novas escolas, mas novos modelos. Não tratava-se de reforma, mas de remodelação, buscando romper de vez com o tradicionalismo.


2.4 O Estado e a educação e a Administração Escolar

Sob o desenvolvimento do entusiasmo educacional na Primeira República, o Estado foi pressionado a ampliar sua responsabilidade pelas questões educacionais e conseqüente expansão da escola. Esse entusiasmo foi um a resposta à desilusão dos republicanos para educar a população,que tinha como objetivo lutar contra o descaso dos poderes públicos nessa área.

Estas pressões se orientavam “para uma posição intervencionista, com a criação da imagem de um novo papel do Estado que atinge os dispositivos constitucionais” . Cabe lembrar que a Constituição republicana de 1891, na questão da educação ainda se orientava pelo Ato Adicional de 1834, “segundo a qual compete a União fixar os padrões da escola secundária e superior, enquanto os da primária e técnico-profissional competem aos Estados” .

A interpretação da Constituição de 1891 dava a União o cômodo argumento de uma prática distante do intervencionismo, “limitando-se apenas em fixar os padrões da escola secundária e superior”. Em contrapartida os Estados afirmavam que pouco podiam fazer pela educação primária e técnico-profissional, pois estavam limitados pelas expensas dos cofres públicos.

Quanto aos serviços de administrativos ligados à educação no período republicano, a administração federal outorga ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, por meio de diretorias a administração e regulamentação da educação no país. Aqui é importante ressaltar que o Ministério da Educação e Saúde Pública foi criado apenas em novembro de 1930, já na era Vargas.

Os Estados, a exemplo da União, criaram instancias ligadas às Secretarias do Interior ou a Secretarias da Agricultura, Indústria e Comércio. Estas instancias eram freqüentemente denominadas de Inspetoria Geral de Instrução Pública. Com os movimentos reformistas, impulsionados pelo otimismo pedagógico, tais Inspetorias se transformaram Diretorias Gerais sob a responsabilidade de técnicos, os educadores profissionais.


2.5 A escola primária e a escola normal

Os Estados, orientando-se pela interpretação da Constituição de 1891, tentavam cumprir seus deveres na área da escola primária e da escola normal. A União, até 1920, somente intervêm três vezes numa tentativa coxa de conjugar esforços com os Estados: fechamento de escolas estrangeiras no Sul ao fim da 1ª Guerra Mundial; na convocação para a Conferência Interestadual de Ensino Primário; e no acordo no qual a União subvencionaria os Estados para a difusão da escola primária rural.

Com o advento do entusiasmo pela educação, guindado nos discursos nacionalistas de que à educação cumpria papel redentor da sociedade brasileira, a União percebe a situação humilhante das escolas primárias. Até então as escolas primárias ofereciam cursos de quatro anos de duração para zonas urbanas e de três, na zona rural.

A escola normal destinava-se a formação de professores primários. Era uma escola de formação geral e com procura, em sua maioria, por moças.

Tanto a escola primária como a escola normal sofreram profundas transformações com os movimentos reformistas e remodeladores da década de 20. Destas mudanças destaca-se a reforma Dória Sampaio, que propunha a redução do tempo escolar para dois anos para conseguir combater o analfabetismo, pois o Estado não tinha mais recursos; o ensino aplicado era a base para se ter noções necessárias para a vida.

As duas tendências a respeito da escola primária e normal eram: a) a da nacionalização: é o fenômeno presente nas pregações nacionalistas de 1915 ,voltadas ao patriotismo. b) a da regionalização: é um fenômeno tardio porque se esforçava para ajustar os padrões de ensino e cultura da escola primária e normal à vida social em que se encontravam, quando essas eram aproveitadas como sugestões para o ensino mais vivo.

 
2.6 A escola técnico-profissional

A escola técnico-profissional da primeira República era muito semelhante a do império. Continuava com o mesmo objetivo de atender às classes populares e pobres. Apresentava-se como para atender a “necessidade de misericórdia pública” , tinha como objetivo a regeneração do trabalho.

Este modelo de escola destinava-se a formação de mão-de-obra dos setores da indústria (escola técnico-industrial), agricultura (escola técnico-agrícola) e comércio (escola de comércio).

O estudo da educação técnico-agrícola elaborou uma regulamentação que visava incrementar a educação prática ,moral ,cívica e profissional. Só a escola técnico-comercial recebeu uma regulamentação do Governo Federal.


2.7 A escola secundária e a superior

A escola secundária e a superior se processaram simultaneamente, consideradas inseparáveis formaram um subsistema autônomo: havia total dependência da escola secundária em relação à superior. As reformas que se processaram em ambas eram matéria de competência do Congresso Nacional. Sendo, portanto, de responsabilidade do Governo Federal fornecer o padrão das escolas secundárias e superiores de todo o país

Das seis reformas na escola secundária e superior listadas por Nagle na primeira República, destacamos a de Benjamin Constant (1890). Esta reforma reorganizou a escola secundária e a transformou em escola formativa, deixando de ser um curso preparatório dos cursos superiores. Conhecida como uma escola de cunho científico seu currículo fazia combinação entre ciências e as letras.

Com a extinção da equiparação de Benjamin, tentou-se realizar a “liberdade de ensino” originando um momento de suspensão das medidas principais. A Reforma Carlos Maximiliano estabeleceu o exame vestibular. Esta reforma ao mesmo tempo em que afirmava o poder federal sobre o ensino secundário, abria as portas às idéias de diversificação da Educação nacional e da educação autônoma e flexibilidade das instituições docentes.

Cabe ainda destacar que no âmbito da escola superior no período da primeira República foi criada a Universidade do Rio de Janeiro ainda como resultado da Reforma Carlos Maximiliano.


2.8 A penetração da Escola Nova e literatura sobre educação

Nagle destaca que a implantação da Escola Nova no Brasil, em seu estudo, se dá em duas fases: no fim do período imperial e na década de 20 do século passado.

O que se encontra da penetração do escolanovismo no Brasil, são infiltração de idéias que contribuíram para o aparecimento da literatura nacional, daí a mudança dos papéis do professor e do aluno. O aluno era o foco principal. Na segunda fase percebe-se as transformações qualitativa na literatura brasileira.

Obras importantíssimas foram surgindo, já que antes a literatura era escassa, como trabalhos de natureza pedagógica, doutrinais, difusão da escola, conteúdo didático entre outros. Houve maior interesse da parte das editoras.

É nessa mudança de uma reforma para outra que muitos grupos políticos se surpreenderam porque mobilizou vários grupos em lutar pela educação e, conseqüentemente por um país democratizado.





segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Emílio, ou da Educação (Jean Jaques Rousseau)

“Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos dos homens” (Rousseau)


1 Introdução

Na história das idéias o nome do suíço Jean Jaques Rousseau (1712-1778) fulgura na constelação dos grandes pensadores, sobretudo, no contexto das grandes discussões dos ideais (liberdade, igualdade e fraternidade) que circundaram o contexto da Revolução Francesa. Destaca-se, ainda no contexto de tais ideais, que o princípio fundamental da obra de Rousseau, pelo qual ela é definida até os dias atuais, é que o homem é bom por natureza, mas está submetido à influência corruptora da sociedade. Um dos sintomas das falhas da civilização em atingir o bem comum, segundo o pensador, é a desigualdade, que pode ser de dois tipos: a que se deve às características individuais de cada ser humano e aquela causada por circunstâncias sociais.

Dos muitos escritos de Rousseau tratar-se-á aqui de seu tratado sobre educação, o Emílio, especificamente dos conteúdos do Livro I que versa sobre “A idade da natureza – o bebê (infans)”. A obra Emílio, ou da Educação data de 1762 sendo, portanto, contemporânea do Contrato Social . Ambas foram extremamente polêmicas e causadoras de diversos problemas para Rousseau. Além de sua perseguição política, Rousseau foi condenado por uma carta pastoral do bispo de Paris, não podendo lecionar ou se aproximar da universidade . O Emílio é uma obra com singularidade especial, pois já em seu tempo evoca a democratização da educação rompendo com o modelo das escolas monacais e palacianas tuteladas pela Igreja e pela monarquia, promovendo assim uma escola e Estado laicos.

O Emilio é dividido em cinco livros:

a) Livro I: idade da natureza – o bebê (infans)

b) Livro II: idade da natureza – de 2 a 12 anos (puer)

c) Livro III: idade da força – de 12 a 15 anos

d) Livro IV: idade da razão e das paixões – de 15 a 20 anos

e) Livro V: idade da sabedoria e do casamento – de 20 a 25 anos

Os conteúdos do Livro I são sumariados Launay com a seguinte divisão:

- Introdução: importância e objetivo da educação

- A verdadeira ama é a mãe

- O verdadeiro preceptor é o pai

- Um aluno imaginário: Emílio, órfão

- A ama de Emílio

- Antes de falar, antes de entender, ele já se instruiu.



No prefácio do Emílio é interessante perceber que Rousseau escolhe como epígrafe a frase de Sêneca que, embora pareça fortuita ou casual, reflete sua concepção de homem natural. Em outras palavras, o Emílio enfatizará o processo de educação que deve conservar a inocência e as virtudes do estado de natureza, remetendo a uma bondade humana inata. Afirma que “ao que chamaremos parte sistemática (...) não é senão a marcha da natureza” . Assim o pensador suíço, em sua obra, prega o retorno à natureza e o respeito ao desenvolvimento físico e cognitivo da criança.

Rousseau afirmará, ainda no prefácio do Emílio, que seu objetivo é alcançar as mães, visto que são elas quem primeiro educam as crianças . O autor também fala sobre o volume do livro, afirmando que o mesmo não é "volumoso", pois o que é grande é o tamanho e a importância do assunto que ele trata . Com efeito, sua obra é a proposta de uma boa educação, assunto que não se esgota nunca. Sua intenção é buscar conhecer seus alunos e a infância, tendo como objetivo melhor formá-los para a vida. Rousseau confessa o caráter pessoal de sua obra:

Para mim, basta que em toda parte onde nasceram homens se possa fazer deles o que proponho; e que, tendo feito deles o que proponho, se tenha feito o que há de melhor, tanto para eles próprios quanto para os outros. Sem não cumprir este compromisso, sem dúvida terei errado; se porém cumpri-lo, será errado também exigir mais de mim, pois é só isso que prometo.

2 Livro 1

O Livro I Emílio, como ventilado anteriormente, trata do bebê (infans) como um dos períodos – ou fases – aos quais Rousseau denomina como “idade da natureza” (o outro período da idade da natureza será de 2 a 12 anos – puer). Rousseau inicia o Livro I afirmando que as coisas acontecem corretamente quando são realizadas pela natureza, mas com a alteração do homem as coisas pioram. Por isso, o homem não pode ficar abandonado e sem diretriz. Ele necessita da família e do Estado para poder se desenvolver plenamente. Com isso, Rousseau procura justificar a importância e objetivo da educação. Segundo o pensador suíço “Moldam-se as plantas pela cultura, e os homens pela educação” .

Partindo do pressuposto de que a educação molda os homens o teórico segue defendendo que tal educação deve iniciar já na infância. O estado da infância é importante para o amadurecimento do homem, sendo a educação um processo. O homem é desprovido de recursos naturais que o façam forte, tais como garras, dentes e etc. Contudo, ainda que o homem fosse forte a educação seria importante. Rousseau é adepto da teoria de "potência não é nada sem controle", tanto para seu bem como para o bem da sociedade, o homem deve receber uma boa formação. Note-se que nesse ponto existe em Rousseau a concepção de uma certa paidéia (formação integral) e que, tal como os gregos, Rousseau considerava inculto (apaideutos) aquele que não fizera sua paidéia. A educação fornece tudo o que o ser humano não possui, isto é, força; juízo e outros benefícios.

Existe na concepção de Rousseau três tipos de educação: a da natureza, a dos homens, a das coisas . O problema apontado pelo autor é que estes três tipos de educação não eram apenas tratados de forma diferente, mas em oposição. Sua proposta é feita no sentido de eliminar essa oposição. A educação da natureza aborda o desenvolvimento interno do homem, a educação dos homens faz uso desse desenvolvimento eterno, a educação das coisas aborda o ganho sobre as nossas experiências. Uma junção dessas formas seria o ideal de educação para o autor. Contudo, só a educação dos homens está sob a nossa total responsabilidade e possibilidade.

Ainda assim, deve-se tentar se aproximar da educação da natureza. A natureza não é somente o hábito, por exemplo, as plantas podem precisar de uma alteração na sua posição para que gerem melhores frutos (Rousseau dá esse exemplo). A indagação de Rousseau será a seguinte: visto que a educação é um hábito que alguns perdem e outros não, qual o motivo de tal diferença? Na sociedade, por exemplo, o civil deve se sobrepor ao natural:

Aquele que, na ordem civil, quer conservar o primado dos sentimentos da natureza não sabe o que quer. Sempre em contradição consigo mesmo, sempre passando das inclinações para os deveres, jamais será nem homem, nem cidadão; não será bom nem para si nem, nem para os outros. Será um desses homens de hoje, um francês, um inglês, um burguês; não será nada.



Na ordem social, ensina-se o ser humano para o cumprimento de sua vocação. Na ordem natural, ensina-se a ser homem. A educação integral é para viver os benefícios e saber suportar os malefícios. A educação deve saber corresponder a um tempo de mudanças, devendo ensinar os seres humanos, a partir da infância, a exercitar as dificuldades para poder enfrentá-las, seguindo assim o curso da natureza no enfrentamento dos acidentes da vida humana:

Trata-se menos de impedi-lo (a criança) de morrer que de fazê-lo viver. Viver não é respirar, mas agir; é fazer uso de nossos órgãos, de nossos sentidos, de nossas faculdades, de todas as partes de nós mesmos que nos dão o sentimento de nossa existência. O homem que mais viveu não é o que contou o maior número de anos, mas aquele que mais sentiu a vida. Tal homem foi enterrado aos cem anos e estava morto desde o nascimento. Melhor seria ir para a tumba na juventude, se pelo menos tivesse vivido até essa idade.



Segundo Rousseau, a falta de liberdade do ser humano começa ao nascer. Assim que nasce o pobre bebê é enrolado em faixas e panos que impedem sua movimentação. Essa movimentação é, para o autor, vital. Para ele, a diferença entre um desenvolvimento físico saudável e o doentio pode ser explicada a partir disso. As mães são as culpadas dessas faixas e panos, sendo também culpadas de não amamentar os seus filhos. Afinal, segundo Rousseau, elas passam o cuidado das crianças para as amas, que operam tal coisa junto aos pobres bebês. A partir deste ponto o autor evoca a condição materna como responsável pela educação inicial da criança

A primeira educação cabe, segundo Rousseau, por natureza, às mulheres (as mães ). Logo, é de suma importância instruir as mães a fim de elas não estraguem os seus filhos. Existe também, para ele, uma aliança entre as mulheres e os médicos que tem por fim liberar as mães da amamentação. A ama de leite é um problema para a educação da criança. Afinal, a criança devota amor a quem primeiro lhe atende. Contudo, por causa da hierarquia familiar e social, a criança deve devotar amor à mãe e não para sua ama de leite. Qual será então a solução? O filósofo propõe que se trate a ama de leite como uma mera criada e que essa não tenha outros contatos com a criança, fazendo-se assim, preserva-se a educação da criança. Para Rousseau, o ideal seria que as próprias mães amamentassem. Ele sabe, contudo, que isso seria difícil no seu tempo. Outra constatação feita por ele é sobre o alto índice de mortalidade infantil. Se houvesse amamentação adequada com uma mãe com leite recente para uma criança recém-nascida (e assim evolutivamente), talvez esse índice fosse menor.

Outro aspecto interessante da primeira infância que será desenvolvido por Rousseau é sobre a "criança tirana". Segundo ele, uma boa educação não deve propiciar o surgimento de uma criança tirana, mas deve fornecer limites do que ela pode ou não fazer em relação ao mundo exterior. Excesso de mimos ou de pancadas não ajudam nesse processo. Para Rousseau só pais esclarecidos podem criar bem os seus filhos, por isso a verdadeira ama é a mãe e o verdadeiro preceptor é o pai. Aqui cabe frisar o paradoxo biográfico de Rousseau que abandonou seus próprios filhos. Segundo Launay, em função deste abandono, pesava sobre Rousseau certo sentimento de culpa . O próprio Rousseau expressa isso ao tentar justificar:

A decisão que tomara como relação aos meus filhos, por mais racional que me tivesse parecido, nem sempre me deixava o coração tranqüilo. Ao meditar sobre o meu Tratado de Educação, senti que tinha negligenciado deveres de que ninguém me poderia dispensar.



Tecidas essas considerações, Rousseau criará o seu protótipo ideal de aluno: Emílio. O instrutor de Emílio não deve ser jovem, mas maduro. Seu preceptor deve fazer a função que Emílio reconhecerá mais tarde no governante, nesse sentido deve educá-lo para a política. Emílio deve ser francês, nem negro e nem de outra nacionalidade que, segundo Rousseau, não possuem evolução intelectual. O aluno deve ainda ser rico, visto que o pobre não necessita de plena formação, a sua lhe é suficiente. Deve também ser órfão, para criar a condição ideal entre discípulo e mestre: libertar-se mutuamente no futuro. Emílio deve ser saudável, possuir um corpo forte, não ser dado às paixões e nem efeminado. Emílio deve seguir a natureza e o bom governo deve lembrá-lo sempre disso. Como a educação é um processo, de nada serviria Emílio já ter nascido adulto. Afinal, mesmo no reino da natureza tudo é instrução. Rousseau espera nunca levar Emílio ao médico, visto que considera essa classe como abjeta. Ele acha somente a higiene útil na medicina. Os médicos são uma classe que não ajudam as pessoas para a vida, mas vivem de prepará-las para a morte.

A ama de Emílio deve ser uma estranha. Emílio deve beber leite novo de uma ama nova e ir mudando gradativamente. A ama deve ser temperante para não alterar os humores da criança. Também não deve haver mudanças, deve-se preferir uma só ama (fixa). A ama deve ter uma dieta balanceada para produzir um bom leite. Segundo Rousseau, para a produção de um bom leite nada é melhor do que o ar do campo, logo a ama pode ser uma camponesa. Nosso autor também tecerá uma crítica às cidades e um elogio ao campo. Não se deve usar vinho misturado à água do primeiro banho e deve-se usar água primeiro quente, depois morna e ainda depois fria ou gelada. Essa cadeia evolutiva ajudará na movimentação da criança.

Também não se deve mimar a criança ou torná-la viciada em muitos carinhos, só se deve fazer o que ela deseja quando ela já tiver atingido uma maturidade para saber o quer realmente. Deve-se desmistificar as consciências infantis, isto é, mostrar a elas máscaras, armas de fogo e fazer com que elas aprendam o que são e para que servem. Deve-se estimular a criança a ter contatos com outros corpos a fim de que possa conhecê-los. Conhecendo essas coisas a criança falará um língua universal, que todos podem compreender. Não é preciso que a ama fique tagarelando coisas numa linguagem que a criança não entende.

Por fim, encerrando a primeira parte do Emílio, Rousseau defende quatro máximas para a formação do seu pupilo: 1) ajudar a criança na sua carência; 2) dar-lhe apenas o que é útil, sem fantasias; 3) entender sua linguagem e lhe dar o que ordena sua natureza; 4) criar condições para sua independência, para que saiba discernir.

Rousseau conclui o primeiro livro da sua obra Emílio sintetizando o que ele compreendia o que era o bebê (0 a 2 anos) segundo a idade da natureza:

Os primeiros desenvolvimentos da infância dão-se quase todos ao mesmo tempo. A criança aprende a falar, a comer e andar aproximadamente ao mesmo tempo. Esta é propriamente a primeira fase de sua vida. Antes, não é nada mais do que aquilo que era no ventre da mãe; mal tem sensações e nem mesmo percebe a sua própria existência.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Calendário dos encontros do Grupo de Estudo Epistemologia e Educação

Grupo de Estudo Epistemologia e Educação


Coordenador: Reginaldo Leandro Plácido

Calendário dos encontros:

Data Tema Bibliografia Responsável pela discussão

28\08 Comênio COMENIO, João Amós. Didactica magna. 3 ed. Porto: Fundação Calouste Gulbengian, 1985 – Introdução Saudação aos Leitores.
- Reginaldo Leandro Plácido

11\09 Comênio COMENIO, João Amós. Didactica magna. 3 ed. Porto: Fundação Calouste Gulbengian, 1985 – cap. X-XIX
- Diego e Mariana

25\09 Jorge Nagle NAGLE, Jorge. A educação na primeira república. Capítulo VII (PP. 259-292) in FAUSTO, Boris (org) O Brasil republicano: sociedade e instituição. Rio de Janeiro: Difel, 1977.
- Marcia e Daiana

09\10 Anísio Teixeira TEIXEIRA, Anísio. Discurso de posse do professor Anísio Teixeira no INEP. REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS. INEP\Rio de janeiro. Vol XVII, abril-junho, número 46, 1952
______. Autonomia para a educação na Bahia. REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS. INEP\Rio de janeiro. Vol XI, julho-agosto, número 49, 1947.
- Helena e Maria Filha

23\10 Anísio Teixeira TEIXEIRA, Anísio. A educação escolar no Brasil. In PEREIRA, Luiz; FORACCHI, Marialice (orgs). Educação e sociedade: leituras de sociologia da educação. São Paulo: CEN, 1979.
- Renata e Vanessa

06\11 Bourdieu ORTIZ, Renato (org) Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1994
- Renata e Marcia

20\11 Bourdieu ORTIZ, Renato (org) Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1994
- Mariana, Diego e Ana Maria

04\12 Saviani SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2003.
- Maria Filha, Ludmila e Reginaldo

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Segue para conhecimento de todos um pouco sobre parte da obra (capítulos X ao XIX) da Didactica Magna de Jan Amos Komenský ou apenas Comênios. As idéias encontradas no texto nada mais são que a nossa revisão de idéias existentes e pertencentes ao escritor.

Didática Magna: As verdades que nunca morrem




A contemporaneidade presente na secular Didática Magna de João Amós Comênios é impressionante. A breve análise de parte de sua obra nos apresenta concepções de um escritor que vivenciou um período bastante diferente do atual. A primeira frase colocada no décimo capítulo de seu livro nos traz a idéia que se tornara a marca do escritor: O ensino de tudo destinado a todos. Comênio se preocupa em deixar claro o que para ele significa o ensino de tudo:



“Pretendemos apenas que se ensine a todos a conhecer os fundamentos, as razões e os objetivos de todas as coisas principais, das que existem na natureza como das que fabricam, pois somos colocados no mundo, não somente para que façamos de espectadores, mas também de atores.” (Comênios, 2001:135)



Espelhado em costumes religiosos, um homem de completos ensinamentos seria para ele, aquele que tudo aprendeu em sua formação incluindo conceitos de formação moral e religiosa, para Comênios aquele que aproveita a sabedoria adquirida das Ciências, sabe utilizar a prudência na escolha de suas ações e possui amor e respeito às coisas religiosas, sempre prezando pela união desses três atributos, indissociáveis para a formação humana, tivera uma verdadeira educação.



Fica então de incumbência das escolas o trabalho de formação de um homem completo e que essa educação seja direcionada a todos. No momento em que as escolas não formam homens que sejam tão sábios quanto prudentes e piedosos, fogem a sua tarefa, e ainda, se não há escolas por toda parte ou onde exista se observa uma distinção para o seu acesso, tem-se uma educação direcionada para poucos e não para todos. Vemos então que a discussões atuais as quais abordam temas como qual seria o verdadeiro papel da escola e de quem é o dever da educação cidadã, já vem sendo discutidos a mais tempo que muitos de nós imaginávamos.



Ora, se os centros destinados a educação não cumprem com os ideais que esperamos, não suprem as expectativas que criamos, temos que nos arriscar no lançamento de propostas que mudem essa realidade, que levem as escolas a formarem pessoas de acordo com as concepções de educação que acreditamos serem válidas, repito, proposições de reformas é um risco que corremos, pois o que é novo assusta por ser, muitas vezes, desconhecido a princípio, “De tal modo é costume tomar as coisas novas e inusitadas por coisas miraculosas e incríveis!” (Comênios, 2001:157). Propõe-se que os mestres não utilizem métodos e metodologias maçantes, que os estudos tenham um período ideal destinado a ele, que a formação pessoal se de antes da idade adulta, para isso, que se apliquem mudanças: Na didática e seus recursos, no tempo de duração das aulas, no período de formação do indivíduo, que as diferenças dos estudantes, como as inteligências, sejam levadas em conta durante o processo de aprendizagem, que sejam feitas alterações em tudo aquilo nas escolas que impeçam ou que mascarem a vocação natural do homem em aprender: “Todo o ser tem possibilidade de fazer espontaneamente aquelas coisas para que foi destinado; ajudado, ainda que pouquíssimo, fá-las.” (Comênios, 2001:160)



As reformas propostas, para que se desenvolvam de maneira a alcançarem seus verdadeiros objetivos não tendo um desfecho sem sucesso, possuem um pré requisito, assim como tudo que observamos na natureza e no funcionamento da arte criada pelo homem, a qual tem seu momento de inspiração na própria natureza, sempre é necessário que haja ordem. Sem ela não existe alvitre tão sólido que consiga seguir sem que vacile e perca seu rumo, “Deste modo se torna evidente que tudo depende apenas da ordem” (Comênios, 2001:180). Há algum patriota brasileiro que discorde do escritor quando seu país prega que para que exista progresso, é necessário antes de tudo que se haja ordem?



Mas de onde podemos retirar exemplo de tal ordem, a quem devemos seguir para alcançarmos tal harmonia das coisas? Comênios nos convida, mais uma vez, a encontramos na natureza os exemplos de disciplina, é nela que conseguiremos visualizar a ordem que devemos seguir, para que não resultemos em erros. Ao fazer tal afirmação o autor, em nenhum momento, afirma que o caminho da ordem é simples ou fácil de ser seguido e é então que nos apresenta os obstáculos que podemos encontrar: A efemeridade da vida, a infinidade de coisas que devemos ou queremos aprender, o tempo que nos falta ou a administração desse, nossa aptidão natural e nossa imensidade de observações vagas que podem levar a trabalhos incertos.



Como não afirmar que Comênios deixa aflorar todo seu lado poético em sua Didactica Magna, se ao iniciar seu décimo quinto capítulo, exclama a seguinte frase: “Ao homem é concedida vida suficientemente longa. [...] Mas é por nós abreviada.” (Comênios, 2001:192). O escritor quer nos dizer que somos senhores de nosso tempo e que na verdade a vida não é breve; apenas precisamos fazer valer cada minuto sabendo conduzi-la da melhor maneira. Citando entre outros exemplos, a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo como sendo uma vida breve, porém calcada por sua sublime obra de Redenção, o autor refere-se ao corpo como um tabernáculo, destacando a importância de não dicotomizarmos corpo, mente e alma visto que são elementos intrinsecamente ligados, e afirma que “[...] Se o corpo se arruína, a alma é obrigada a emigrar imediatamente deste mundo [...]” (Comênios, 2001:196). Além disso, um corpo doente abrigará uma mente também doente. Por isso, um dos destaques do capítulo, é a comparação feita entre o homem e um arbusto, onde é ressaltada a importância de uma alimentação moderada, da atividade física e do repouso como práticas fundamentais à conservação da saúde e da vida. Segundo Comênios, uma organização escolar deve equilibrar trabalho e repouso, férias e recreios.

Como um agricultor, aqueles que instruem e educam a juventude, também tem a obrigação de semear em seus educandos boas sementes. Mas, estas sementes, também precisam ser semeadas ao tempo correto. Por isso, o autor afirma que a escola peca ao não aproveitar o momento favorável para exercitar as inteligências. Inteligências que são melhores desenvolvidas na “puerícia”, que corresponde ao período da infância. Convém ressaltar também que Comênios determina o período da manhã como sendo o horário mais favorável aos estudos, por equiparar-se à primavera.

A organização tanto dos materiais didáticos quanto dos conteúdos, também é um dos alertas de Comênios, afirmando que no processo de ensino, os exemplos devem preceder as regras. Também esclarece a importância da existência de conexão entre os conteúdos aprendidos e de o aluno ocupar-se de uma matéria de cada uma a seu tempo. Assim, um conteúdo não deve ser iniciado sem que o anterior esteja finalizado, “[...] pois quem pensa em muitas coisas ao mesmo tempo arrisca-se a não compreender seriamente nenhuma delas [...]” (Comênios, 2001:218). A inteligência formada é o primeiro passo para a compreensão das coisas. É preciso cultivá-la para que o conhecimento aflore, aconteça. Também as futilidades atrapalham o processo de aprendizagem, assim como a manutenção das escolas em locais barulhentos, o que causa dispersão e desinteresse por parte dos alunos.

Escolher adequadamente tanto as companhias dos educandos, quanto os livros a serem adotados pela instituição é fundamental para que estes se constituam verdadeiros “inspiradores de sabedoria”.

Ao classificar dez fundamentos para ensinar e aprender com facilidade, Comênios afirma que uma mente virgem, aquela que ainda não está ocupada com outras coisas, está no momento ideal para as futuras aprendizagens e que não se deve destinar vários professores a uma mesma classe, visto que cada professor mantém um método de ensino, sendo assim há o risco de confusões, embaraços nos momentos de construção dos conhecimentos. A “sede” de aprender é essencial. Um aluno que tem a vontade, o gosto por conhecimento, faz com que esse processo seja mais simples e mais efetivo. Ensinar, não é tarefa apenas da escola, os pais também são peças – chave nesse processo e devem incentivar as boas relações afetivas entre educadores e alunos. O desenvolvimento espontâneo e natural do conhecimento precisa existir para tudo seja realizado com prazer, “unindo-se o útil ao agradável”.

Não oprimir os alunos com conteúdos exagerados, permite que o professor respeite o educando e seus limites, para que cada vez mais possa aproximá-lo do processo de ensino e aprendizagem, e não afastá-lo, muitas vezes criando traumas. Seguindo suas analogias entre acontecimentos da natureza e as aprendizagens na infância, Comênios demonstra principalmente, sua preocupação em fazer com que o professor perceba a beleza presente no ato de ensinar, criando situações facilitadoras para a aprendizagem de seu aluno, aliando à sua prática, motivação, respeito e humildade.

Uma instrução sólida é muitas vezes impedida por descuidos com relação à escolha dos conteúdos e também sobre o exagero de disciplinas que acabam por sobrecarregar as mentes dos alunos, fazendo com que a memória saturada por conteúdos muitas vezes inúteis não armazene o que é suficientemente importante. Despertar o amor pelo estudo, enraizando os conhecimentos através dos métodos sintéticos e buscando a ciência não apenas nos livros, mas em todas as coisas. Os conteúdos ensinados têm suas razões e essas razões devem ser bem esclarecidas aos alunos, assim como sobre a utilidade desses conteúdos visto que “[...] nada deve ser aprendido em vão. (Comênios, 2001:281). O conhecimento adquirido deve ser compartilhado com outros, para que se perpetue.

Por fim, os ensinamentos não necessitam ser demasiadamente longos e demorados para serem considerados válidos. Os caminhos a serem percorridos necessitam ser feitos não por atalhos, mas sobretudo sem rodeios para que se alcance os objetivos com rapidez. Ao fazer referência ao sol, como sendo responsável por diversas tarefas na Terra e assim realizando-as de maneira simultânea e contínua, Comênios defende a idéia de um único professor por classe, além de um método de ensino que permita a união dos conteúdos que acabam por desencadear-se de maneira constante, atrelados entre si e sem interrupções. Acerca de todas as suas sugestões, Comênios fundamenta seus ensinamentos, explicando claramente as objeções que eventualmente podemos fazer aos mesmos, ressaltando a relevância destas práticas para que se economize “tempo e fadiga” tanto ao ensinar quanto ao aprender.

A leitura de autores como Comênios nos leva a enxergamos o nosso presente como um resultado de construções históricas, as quais optamos muitas vezes por abandoná-las, mas que ao atravessarem gerações refletem ainda hoje as suas verdades. Nunca é demais ressaltar para vocês leitores que se trata de um texto editado pela primeira vez em 1657, que entre prenúncios ou coincidências ainda se faz presente em nossa educação.

(Diego Cardoso e Mariana)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Comênio e sua Didática Magna

“A natureza dá as sementes da ciência, da honestidade, da religião,
mas não dá a ciência, a virtude, a religião; estas são adquiridas
apenas com a prece, com o estudo, com o
esforço pessoal”. (Comênios)
“A educação é necessária para todos”. (Comênios)

Rebuscando a história da educação vamos encontrar uma grande constelação de figuras de comprovada importância, nomes que engrandeceram a história da educação. Neste trabalho, resultado dos apontamentos dos seminários de Epistemologia e Educação, elegemos a figura do educador morávio João Amós Comênios e sua obra Didática Magna, por a considerarmos um grande marco para o avanço da educação em sua época, com reflexos até nos dias de hoje. Aqui, relembrar Comênios não significa necessariamente impor uma pretensão de recuperar suas idéias e reaplicá-las como se fossem uma panacéia capaz de exterminar os atuais males da educação. Na verdade, a intenção mesmo é apenas destacar alguns pontos relevantes de sua obra Didatica Magna, extraídos da leitura da introdução e capítulo X a XIX, bem como dos seminários de Epistemologia e Educação. Ademais, como salienta Gasparin (1994:13):

O retorno a Comenius se tornou uma urgência a partir do momento em que constatamos a crise em que se encontra a didática atual. A preocupação com o imediato e o prático, no trabalho docente cotidiano, tem conduzido com freqüência a um profundo desconhecimento dos clássicos em educação que, em seu momento histórico, foram capazes de apreender as necessidades e os desafios que as práticas social e educacional determinavam.

A exigüidade que se propõe o próprio texto limita reflexões profundas e pormenorizadas da obra de Comênios. Mas isso não significa que se olvide de sua importância, antes destaca a necessidade primeva de retorno a fonte original, no caso a Didática Magna, como aio para os apontamentos sugeridos. Destaca-se ainda que, embora já tenham decorrido mais de quatro séculos da morte de Comênios, sua obra é viva e atual e seu texto de fluência clara e impactante. Por fim, como assevera Luzuriaga (apud Covello, 1991:9):

Comenius foi o fundador da didática e, em parte, da pedagogia moderna. Mas foi, ainda, um pensador, um místico, um reformador social, personalidade extraordinária, em suma. Seu nome figura ao nível dos de Rousseau, Pestalozzi e Froebel, isto é, dos maiores da educação e da pedagogia.

O educador João Amós Comenius ou Jan Amos Komenský, seu nome original, nasceu em 28 de março de 1592, na cidade de Uherský Brod (ou Nivnitz), na Moravia, região da Europa Central pertencente ao Reino da Boêmia (antiga Tcheco-Eslováquia). Seus pais Martinho e Ana, também eslavos, eram cristãos adeptos dos Irmãos Morávios . A influência da extrema religiosidade Morávia certamente influenciou o modo de ser e crenças de Comênios que irão marcar sua escrita repleta de citações bíblicas e comparações com a natureza. Como observa Covello (1991:15):

Os salmos, os evangelhos e os cânticos religiosos de Huss embalaram a infância do pequeno Jan Amos e lhe incutiram a convicção de que a única coisa necessária é buscar o reino de Deus, pois a vida terrena é apenas passagem para a eternidade... Fora de Deus, fonte de luz e vida, não há senão trevas...

Segundo se depreende das informações contidas na introdução da Didatica Magna Comênios teve infância difícil, pois aos 12 anos, seus pais e suas duas irmãs morreram, tendo ele ficado só e ao abandono.

A educação de Comênios teve princípio na escola dos Irmãos Morávios onde aprendeu rudimentos de leitura, escrita, cálculo e catecismo, mas o suficiente para despertar nele o desejo de saber e a preparação para torná-lo no grande erudito do futuro. Quando Comênios concluiu os estudos secundários fez opção pela carreira eclesiástica. Estudou teologia na Faculdade Calvinista de Herborn, na Alemanha. Aí adquire uma boa formação cultural, fica amigo dos professores, destaca-se como aluno e, ainda como estudante, apresenta duas teses de doutorado. Segundo assinala Gasparin (1994) durante esse período de estudos na Alemanha, Comênios ampliou e fundamentou suas convicções religiosas, além de haver adquirido uma vasta cultura enciclopédica e desenvolvido o espírito de reformador que o acompanharia durante toda sua vida.

Após uma breve estada em Praga, Comênios chega a Prerov, maior centro da comunidade morávia, e aí se estabelece no magistério, contagiado pelas idéias pedagógicas aprendidas na Universidade. Decorridos dois anos na profissão de professor é ordenado pastor dos Irmãos Morávios (1616), estabelecendo-se na cidade de Fulnek, onde se casa com Madalena Vizovska e com quem tem seus dois primeiros filhos.

Na época da Guerra dos Trinta Anos , os exércitos espanhóis invadem e incendeiam a cidade de Fulnek e nisso Comênios perde todos os seus livros e manuscritos. E como se não bastasse, perde também sua mulher e seus dois filhos vitimados pela epidemia (peste). Comênios recomeça tudo e produz uma série de escritos de cunho religioso a fim de recuperar o ânimo da irmandade.

Estabelecido em Leszno, Comênios casa novamente. Reanimado, retorna às funções de professor e pastor. Sua fama chega à Inglaterra, onde um grupo de intelectuais liderados por Samuel Hartlib para ir a Londres, sendo recebido com todas as honras. A fama cresce e ultrapassa as fronteiras britânicas e ele passa por outros países, como a Suécia, e depois volta à Polônia, fixando-se novamente em Leszno. Na Suécia um fato bastante significativo em sua vida acontece: foi o proveitoso encontro com Descartes.

O destino parecia conspirar contra Comênios. Um incêndio, tal como acontecera em Fulnek, destruiu sua casa e, coincidência, mais uma vez perde sua valiosa biblioteca. Em 1648, em Leszno, sua mulher Dorotéia morre, deixando cinco filhos, dois crescidos e três pequenos. Completamente pobre e doente, e mais do que isso, vítima da incompreensão da comunidade, busca asilo em diversas cidades alemãs, mas terminou optando pela Holanda, onde passará os derradeiros anos de sua vida.

Comênios ainda casou em terceira núpcias, em 1649. Na Holanda, instalado em Amsterdam, mesmo combalido reúne forças para prosseguir seu trabalho de educador e reformador social. E ele cresce de novo. Segundo Covello (1991) conscientes do valor de Comênios as autoridades holandesas propõem ao hóspede a publicação de todas as suas obras pedagógicas, muitas das quais já bastante conhecidas no país. O grande sábio morávio vive feliz na Holanda, experimentando uma nova e reconfortante vida. Não enfrenta dificuldades financeiras, tem o reconhecimento do público e das autoridades, e na última fase de sua vida dedica-se a ser um apologista da paz, propugnando pela fraternidade entre os povos e as igrejas.

Comênios morre em 15 de novembro de 1670 e é sepultado numa pequena igreja em Naarden, onde foi construído seu mausoléu. Conforme Covello (1991), em 1956 a Conferência Internacional da UNESCO realizada em Nova Delhi delibera a publicação das obras de Comenius e o aponta como um dos primeiros propagadores das idéias que inspiraram a UNESCO por ocasião de sua fundação.

A Didactica Magna com certeza é a grande obra de Comênios (das mais de 500 0bras publicadas por ele); foi editada pela primeira vez na Opera Didactica Omnia, em Amsterdã, 1657. Era a tradução latina da Didactica tcheca. Comenius decidiu pela versão latina e em razão do papel mais amplo que ela assumiria. Como mesmo assevera na Carta aos Leitores: “Escrito inicialmente em vernáculo, para uso do meu povo, sai agora, a conselho de alguns homens eminentes, vertido em latim, para que, se possível aproveite a todos.” (Comênios, 2001: 20).

Comênios parte do princípio de que a educação era o meio mais eficaz para corrigir a corrupção humana (Comênios, 2001:44). Tendo as Escrituras e a Natureza como inspiração ele parte para o labor da escrito de seu tratado. Ele acreditava na educação destinada a todos e afirma que os retos princípios da Didática interessavam “Aos Pais”, “Aos Preceptores”, “Aos Estudantes”, “Às Escolas”, “Aos Estados”, “À Igreja” e “Finalmente é de interesse do CÉU”. (Comênios, 2001:47-8)

É preciso que todas as coisas sejam ensinadas, a partir dos seus fundamentos, de modo breve e eficaz, de tal maneira que a inteligência se possa abrir como que com uma chave, e as coisas se lhe possam manifestar espontaneamente. Também é preciso se esforçar para oferecer sempre aos alunos coisas atraentes, pois assim ficarão mais dispostos a estudar.

De tudo que se transcreveu neste texto sobre a Didática Magna de Comênios fica claro que quando o pedagogo tcheco, no século XVII, falou de educar tudo a todos conseguiu se antevir ao seu tempo. E mesmo que não se deseje presentificá-lo é necessário reconhecer sua contemporaneidade.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

A abordagem positivista de Émile Durkheim: a realidade objetiva dos fatos sociais



- a realidade objetiva dos fatos sociais, - ou de não admiti-lo sem reservas. É, pois, sobre este princípio que tudo finalmente repousa, e sempre se regressa a ele (Durkheim, 1977, p.XXXII).




Em uma abordagem positivista, o objetivo de uma “sociologia” era conhecer e estabelecer as “leis imutáveis da vida social”; Daí que o sofista Émile Durkheim propõe um método sociológico- racionalista:


Estender à conduta humana o racionalismo científico é, realmente, nosso principal objetivo, fazendo ver que, se a analisarmos no passado, chegaremos a reduzi-la a relações de causa e efeito; em seguida, uma operação não menos racional a poderá transformar em regras de ação para o futuro. Aquilo que foi chamado de nosso positivismo, não é senão conseqüência deste racionalismo (Durkheim, 1977, p.XVII).


Sob uma abordagem positivista, ou seja, abstendo-se de considerações críticas e analisando a vida social objetivamente, Durkheim propõe uma “sociologia” construída nos moldes positivistas das ciências físicas e biológicas, separada da economia e da política:



Nossa regra não implica, pois, nenhuma concepção metafísica, nenhuma especulação a respeito do que há no mais profundo do ser. O que reclama do sociólogo é que se coloque num estado de espírito semelhante ao dos físicos, químicos, fisiologistas, quando se aventuram numa região ainda não inexplorada de seu domínio científico. É necessário que, ao penetrar no mundo social, tenha ele consciência de que penetra no desconhecido; é necessário que se sinta em presença de fatos cujas leis são tão desconhecidas quanto o eram as da existência antes da constituição da biologia; é preciso que se mantenha pronto a fazer descobertas que hão de surpreendê-lo e desconcertá-lo (Durkheim, 1977, p.XXIII).


Calcado na teoria da evolução (Darwin e Spencer) a abordagem positivista consistiu-se na observação e análise da realidade, atraindo a crença na possibilidade de se analisar os fenômenos sociais com objetividade. Durkheim racionaliza os fatos sociais tratando-os como “coisas”-objeto de conhecimento:


Os fatos propriamente ditos, porém, constituem para nós, necessariamente, algo de desconhecido, no momento em que empreendemos delinear-lhes a ciência; são coisas ignoradas, pois as representações que podem ser formuladas no decorrer da vida, tendo sido efetuadas sem método e sem crítica, estão destituídas de valor científico e devem ser afastadas. (Durkheim, 1977, p.XXI).


A sociologia trataria de conhecer as “coisas ignoradas”- os fatos sociais, agora com método e passível de crítica. Mas o que é Fato Social para Durkheim?


Consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõe [...] Esta é a qualificação que lhe convém; pois é claro que, não tendo por substrato o indivíduo, não podem possuir outro que não seja a sociedade. (Durkheim, 1997, p.3).


Utilizando do método positivo, apoiado na observação, indução e experimentação, Durkheim tenta formular proposições constantes entre os fenômenos, os chamados “fatos sociais”, a fim de compreender a maneira fixa ou não do comportamento dos indivíduos submetidos à coerção social. A idéia é desenvolver uma “ciência” voltada para a organização “positiva” da sociedade, ou seja, para o controle social.


A consciência pública, pela vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e pelas penas especiais que têm a seu dispor, reprime todo o ato que a ofende (Durkheim,1977,p.2).


Estamos, pois diante (Durkheim, 1977) de maneiras de agir, pensar e sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais.



Esta definição do fato social pode, além do mais, ser confirmada por meio de uma experiência característica: basta, para tal, que se observe a maneira pela qual são educadas as crianças. Toda a educação consiste em num esforço contínuo para impor às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais elas não chegariam espontaneamente, - observação que salta aos olhos todas as vezes que os fatos são encarados tais quais são e tais quais sempre foram. Desde os primeiros nãos de vida, são as crianças forçadas a comer, beber, dormir em horas regulares; são constrangidas a terem hábitos higiênicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las a aprender a pensar nos demais, a respeitar usos e conveniências, forçamo-las ao trabalho, etc; etc.[...] Ora, estes últimos se tornam particularmente instrutivos quando lembramos que a educação tem justamente por objetivo formar o ser social; pode-se então perceber, como que num resumo, de que maneira este ser se constitui através da história. A pressão de todos os instantes que sofre a criança é a própria pressão do meio social tendendo a moldá-la à sua imagem, pressão de que tanto os pais quanto os mestres não são senão representantes e intermediários (Durkheim, 1977, p.5).



O homem possui em si dois seres: o individual e o social. Mas é o ser social (Durkheim, 1977) constrangido pela coletividade, que constrói a natureza humana. Desprovido desta “humanidade” o homem volta ao seu estado primitivo. A consciência individual permite ao homem uma dose de liberdade para agir segundo sua vontade, mas essa liberdade é cerceada e constrangida pela consciência social que dita o que deve ser feito ou não. A consciência individual é dada pela força coercitiva da consciência coletiva.



Assim, os indivíduos compartilham regras, normas e valores comuns que possibilitam a vida coletiva. Nessa visão, a sociedade se impõe aos indivíduos de maneira forte e abrangente. Fatos sociais cristalizados e construídos pelas representações coletivas formam e moldam nossas maneiras de ser. As maneiras de vestir, a forma das nossas casas, a linguagem falada e escrita, dentre muitas outras representações, são realidades exteriores à nossa vontade e que possuem ascendência sobre nós, ditando normas e costumes para nossas vidas.



A educação é um fato social e, portanto, se constitui como realidade externa ao indivíduo e que é a ele imposta socialmente. A educação é a ação exercida pelas gerações mais velhas sobre as gerações mais jovens desenvolvendo nas últimas, estados físicos, intelectuais e principalmente morais. A educação tem o papel primordial de educar moralmente os jovens para que possam viver na sociedade e atender às suas necessidades históricas e temporais.








Bibliografia

Durkheim, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.

domingo, 13 de junho de 2010

Lembrança de infância de Leonardo da Vinci

FREUD, Sigmund( 1856 - 1939)


            Em 1910, o psicanalista Freud escreveu sobre Leonardo da Vinci, se propondo a estuda-lo, analisando-o em suas inibições tanto em sua vida sexual como em atividades artísticas. Freud também cria teorias em torno do conceito de sublimação. Para Freud, Leonardo da Vinci era um “gênio poliforme” e por ser tão versátil virou artista, escritor e cientista. O desenvolvimento investigativo de Leonardo desviou e abafou o desenvolvimento artístico. Por possuir diversos talentos e uma curiosidade imensa Leonardo foi considerado um homem à frente de sua época, mas era uma homem qualquer e por melhor que fosse não escapava de marcas que as pessoas construíam do sujeito.
            O ponto central do trabalho de Freud consiste em uma lembrança de infância relatada por Leonardo da Vinci em um tratado sobre o voo das aves. Freud compara o processo de criação artística ao mecanismo de formação dos sonhos e sintomas, sugerindo um parentesco entre o artista e o neurótico, onde a criação artística se nutre de afetos e percepções inconscientes. O desdobramento disto é que a obra de arte é passível de ser interpretada, de ser analisada em seus sentidos e motivações inconscientes. E é isto que vemos Freud realizar no texto “Uma lembrança de Infância de Leonardo da Vinci”, onde a criação artística está posta em uma relação direta com a sublimação de pulsões sexuais infantis de Leonardo da Vinci, sendo que, a partir de sua produção artística e intelectual, Freud tenta reconstruir importantes momentos de sua constituição psíquica. Ainda neste texto Freud mostra de como a arte incita em quem cria e em quem a admira uma importante sensação inconsciente, uma sensibilidade que não passa pela razão. O texto Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância é o uma biografia psicanaliticamente orientada.
            Os relatos de Leonardo sobre sua infância foi um prato para Freud. Como Freud já sabia lembranças da infância são uma mistura de memórias fantasias, relatos de pessoas intimas e desejos e interpretações adultas. E de acordo com relatos, Leonardo, filho ilegítimo, passou sua infância só com a mãe e o pai só aparece nos relatos quando já tem cinco anos. A fantasia com um abutre confirmaria, então, a hipótese da vivência com a mãe até pelo menos uns três anos. A cauda é relacionada a uma ideia de sexo oral, que por sua vez representa a amamentação e é associado por Freud como um beijo da mãe. O relato está associado a uma afirmação de predestinação para pesquisas sobre voos de aves que confirmam a intensidade e a importância de pesquisas sexuais infantis em Leonardo. É explicado por Freud a transformação de uma amamentação materna em uma passiva fantasia homossexual também pela ideia das teorias sexuais infantis, já que uma delas é  de que a mulher também tem pênis. O fato de que Leonardo em sua época já era acusado de práticas homossexuais indica que poderíamos associar a sua infância o seu homossexualismo ideal, vinculado ao narcisismo, a identificação com a mãe o faz procurar a si mesmo nos outros.
            Para o estudo de Freud o sorriso de Monalisa tem grande importância. Parece que Leonardo sempre repetia o sorriso enigmático, desinteressado e sensual ao mesmo tempo. Leonardo reviveu nesses sorrisos lembranças relacionadas à mãe segundo Freud. Outro fato interessante é sobre a obra Sant'Ana com Dois Outros, onde Sant'Ana tem Maria em seu colo e Maria, por sua vez, abaixa-se para segurar o menino Jesus, podemos associar ai um relação avó, mãe e filho, relacionada com a situação da ida de Leonardo à casa do pai, lá viviam sua madrasta e sua avó paterna. No quadro mãe e filha apresentam a mesma idade e confundem seus limites corporais em alguns pontos sendo associados a uma ideia de dualidade materna, mãe e madrasta. Exite também a ideia de que o manto que cobre Maria, na pintura, tem forma de abutre e o rabo termina na boca do menino Jesus.
            Leonardo da Vinci era um sujeito de vida singular, quanto à sexualidade, pelo que consta, nunca manteve relações afetivas ou intelectuais com mulheres, esteve sempre cercado de belos rapazes, e sempre rejeitou a sexualidade. Em seus estudos científicos, pouco estudou sobre os órgãos sexuais femininos. Quanto ao seu trabalho, este também teve desenvolvimento peculiar, como a desistência da pintura por um certo período, substituída pela pesquisa natural que, antes, era apenas uma ferramenta para trazer mais perfeição a sua obra; e o posterior retorno à pintura, caracterizado pelo sorriso estereotipado de Mona Lisa nas obras posteriores e a declaração da incompletude de praticamente todas as suas obras. Importante também para a pesquisa freudiana são os relatos acerca de amor e ódio. Segundo Leonardo, tais sentimentos só são legítimos quando oriundos de extenuantes pesquisas, afirmação contraditória com a experiência cotidiana, que nos mostra a impulsividade de tais emoções.
            O objetivo do trabalho foi explicar as inibições na vida sexual e na atividade artística de Leonardo. Seja qual for a verdade sobre a vida dele, não se pode abandonar as tentativas de encontrar uma explicação psicanalítica. Freud enquanto estudava Leonardo inquietou-se com o fato dele ter deixado inacabados quase todos os seus trabalhos de pintura, porque buscava neles uma perfeição que ele próprio achava que nunca conseguiria encontrar. Leonardo era muito lento na execução de seus quadros, tal lentidão foi atribuída por Freud como uma intensa coerção interna para executar suas obras de forma ideal.



sábado, 5 de junho de 2010

A arte como construção epistemológica (Goethe)

No período quando realizei meu mestrado em Teologia (linha de pesquisa em Teologia e História) tive a oportunidade de participar do grupo de estudos em Teologia e Interdisciplinaridade. Neste grupo partíamos da discussão da Teologia da cultura, tendo como referencial básico o teólogo teuto-americano Paul Tillich. Era um grupo formado por artistas, historiadores, pedagogos, psicólogos e “até” teólogos. O que mais nos chamava atenção nas discussões da Teologia da Cultura era o interesse de Paul Tillich pela arte, em especial pela poesia e pintura. Na vista do Paul Tillich ao museu de Arte Kaiser-Friedrich, em Berlim, por ocasião de sua última dispensa da 1ª guerra ele deparou-se com uma das madonas de Botticeli e assim descreveu sua experiência:  "Em um momento, para o qual não conheço outro nome a não ser inspiração, abriu-se para mim o sentido daquilo que uma pintura pode revelar. Ela pode dar acesso a uma nova dimensão do ser, mas somente quando, ao mesmo tempo, possui a força de abrir a camada correspondente da alma." (Tillich, 1961)

No caso de Tillich é possível afirmar que arte é inspiradora de sua teologia e filosofia. Não apenas uma inspiração no sentido de ilustração das idéias, mas no sentido de que arte em si mesma constrói idéias e, portanto, é elemento constitutivo do conhecimento. Neste sentido é possível afirmar que na arte, da sua concepção à fruição da obra, surgem idéias que podem levar a categorias e conceitos.

Na discussão da Teologia da Cultura tínhamos por certo a presença da arte como forma de construção filosófica. Entretanto, parece que o assunto não é datado ou ultrapassado, pois é recente a valorização da imaginação e da criatividade como elementos constitutivos do conhecimento. Ao que tudo indica durante muitos anos, a visão positivista do conhecimento colocou a ciência no topo de uma pirâmide. Logo abaixo da ciência vinham conhecimentos tidos como inferiores, como a filosofia, a religião e a arte. No entanto, é necessário concordar que existam outras formas de explicar o mundo, tão importantes quanto a ciência. Uma dessas formas, ainda que um tanto desvalorizada, é a arte. Em filmes, quadros, livros e até histórias em quadrinhos pode estar a chave para compreender o homem e o mundo em que vivemos.

Quando, por exemplo, lemos a obra “Fausto”, de Goethe, percebe-se na mesma elementos complexos da construção do pensamento que vão para além do próprio pensamento, pois em “Fausto”, como em toda arte, é possível alcançar novas formas de experiência e, portanto, de discussões múltiplas sobre o próprio pensamento e o ser humano. Como afirma o próprio Goethe: "O homem não é apenas um ser pensante, mas também alguém que sente. Ele é um todo, uma unidade de forças múltiplas intimamente associadas. A obra de arte deve falar a este todo do homem, corresponder a essa rica unidade, a essa multiplicidade que nele existe (Goethe).

Ainda sobre o “Fausto” de Goethe, Oto Maria Carpeaux, no prefácio da tradução de Antônio Feliciano de Castilho, comenta: "É a obra mais complexa do mundo, mistura incrível de todos os estilos, e isso se explica só pela maneira como foi escrita a obra, durante 60 anos, acompanhando e exprimindo todas as mudanças estilísticas e filosóficas dessa longa vida literária."

Com efeito, Goethe dispunha do saber enciclopédico da sua época, resumindo poeticamente todos os sentimentos e pensamentos do homem moderno. Em sua obra ele procura uma identificação quase incondicional com o cosmos, quer a todo custo reconhecer o que há de comum entre a natureza e o indivíduo. Não seria Goethe, em sua expressão artística, portanto, um cientista?

Como diz Edgar Morin, no livro “A cabeça bem feita”: “em toda grande obra, de literatura, de cinema, de poesia, de música, de pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana”. Assim, embora a arte transgrida toda caracterização positivista de ciência, é possível afirmar que a mesma é ciência e, portanto, construção de conhecimento.