quinta-feira, 14 de outubro de 2010

John Dewey - Democracia e Educação

Nossa conclusão essencial é que a vida é desenvolvimento e que o desenvolver-se, o crescer é a vida. Traduzindo em termos educacionais equivalentes, isto significa: 1º) que o processo educativo não tem outro fim além de si mesmo: ele é seu próprio fim; e que 2º) o processo educativo é um contínuo reorganizar, reconstruir, transformar. (DEWEY, 1936 p. 75).


1. Introdução

Nas aspirações e reflexões sobre educação é comum deparar-se com preocupações como: a necessidade de unir teoria e prática nos processos de ensino-aprendizagem; valorizar a capacidade de pensar do aluno; preparar os alunos para questionar a realidade. Tais preocupações perpassam as tematizações e concepções de John Dewey (1859-1952), pensador que influenciou educadores de várias partes do mundo. Ele desenvolveu sua obra nos EUA durante a última metade do século XIX e primeiro do século XX. Dewey presenciou momentos políticos e econômicos – como o fim da Guerra Civil Americana, o desenvolvimento tecnológico, a Revolução Russa e a crise de 1929 – que por certo influenciaram sua filosofia educacional. Dewey também foi influenciado pelo experimentalismo das Ciências Naturais (o qual aplicou ao método filosófico e à didática) e acabou por ser um dos principais contribuidores da divulgação dos princípios da Escola Nova; movimento que teve seu auge no Brasil com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932.

Desta forma é possível afirmar que Dewey é o nome mais célebre da corrente filosófica que ficou conhecida como pragmatismo, embora ele preferisse o nome instrumentalismo – uma vez que, para essa escola de pensamento, as idéias só têm importância desde que sirvam de instrumento para a resolução de problemas reais. No campo específico da pedagogia, a teoria de Dewey se inscreve na chamada educação progressiva. Um de seus principais objetivos é educar a criança como um todo. O que importa é o crescimento – físico, emocional e intelectual.

Dos muitos escritos de John Dewey tratar-se-á aqui de sua obra “Democracia e Educação – uma introdução a filosofia da educação”. O livro Democracia e Educação tem publicação em 1916, sendo composto de 26 capítulos conforme seguem: Capítulo 1 Educação como uma necessidade da vida; Capítulo 2 Educação como função social; Capítulo 3 educação como Direção; Capítulo 4 Educação como Crescimento; Capítulo 5 Preparação, desdobramento e disciplina formal; Capítulo 6 Educação conservadora e progressiva; Capítulo 7 A Concepção Democrática da Educação; Capítulo 8 Objetivos na Educação; Capítulo 9 Desenvolvimento Natural e Eficiência Social como aspirações; Capítulo 10 Interesse e Disciplina; Capítulo 11 Experiência e Pensamento; Capítulo 12 Pensamento na Educação; Capítulo 13 A natureza do método; Capítulo 14 A natureza do assunto; Capítulo 15 Brincar e Trabalhar no Currículo; Capítulo 16 O Significado de Geografia e História; Capítulo 17 Curso de Estudo em Ciências; Capítulo 18 Valores educativos; Capítulo19 Trabalho e lazer; Capítulo 20 Estudo intelectual e prática; Capítulo 21 Estudo Físico e Social: Naturalismo e humanismo; Capítulo 22 O indivíduo e o mundo; Capítulo 23 Aspectos da Educação Profissional; Capítulo 24 Filosofia da Educação; Capítulo 25 Teorias do Conhecimento; Capítulo 26 Teorias da Moral.

Nesta apresentação serão esboçados os conteúdos do capítulo I ao capítulo VI. A guisa de introdução é importante salientar que o livro “Democracia e Educação” é considerado uma das obras fundamentais na produção bibliográfica do pensador John Dewey, por desenvolver teses inovadoras sobre a filosofia, o pensamento reflexivo e a escola como instrumento de transformação social e, conforme ventilado anteriormente, influenciará no pensamento escolanovista brasileiro e em especial os postulados do educador brasileiro Anísio Teixeira.

Esta obra versa sobre filosofia da educação em conceitos de uma educação democrática onde o conhecimento e o seu desenvolvimento são concebidos como um processo social – integrando os conceitos de "sociedade" e indivíduo . Para Dewey, em Democracia e educação, o indivíduo somente passa a ser um conceito significante quando considerado parte inerente de sua sociedade – enquanto esta nenhum significado possui, se for considerada à parte, longe da participação de seus membros individuais.

2. Capítulo – Educação como Necessidade de Vida

O capítulo I de Democracia e Educação abre as reflexões da obra com um apelo a identificação da vida com os processos de renovação e transmissão afirmando que “a distinção mais notável entre os seres vivos e inanimados é que os primeiros se conservam pela renovação” (DEWEY, 1936 p.19). Talvez seja por isso que o autor irá denominar este capítulo com o título epigráfico “A Educação como Necessidade de Vida”. Observa-se já no título que Dewey evoca a vida para falar de educação e assim compara o processo educativo ao desenvolvimento da bios . Esta comparação é explícita no resumo do capítulo onde o autor sintetiza da seguinte forma: “A educação é para a vida social aquilo que a nutrição e a reprodução são para a vida fisiológica” (DEWEY, 1936 p. 29).

Este capítulo é dividido em três blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) A renovação da vida pela transmissão; 2) Educação e comunicação; 3) O papel da educação formal.

Quando Dewey trata da renovação da vida pela transmissão, embora haja a comparação entre a vida em termos biológicos e da vida em termos das relações sociais, revela uma relação entre a continuidade/renovação da vida por intermédio da ação sobre o ambiente . Neste sentido ele apela ao sentido de sobrevivência e, portanto, a própria continuidade da vida. Ele estende os conceitos e emprega o termo experiência para designar “vida” relacionada a “costumes, instituições, crenças, vitórias e derrotas, divertimentos e ocupações” (DEWEY, 1936 p. 20). Assim ele aplica a concepção de renovação da vida através da transmissão da experiência. “Com o renovar da existência física, também se renovam, no caso dos seres humanos, as crenças, idéias, esperanças, venturas, sofrimentos e hábitos” (DEWEY, s.d.: 20). Neste sentido, a educação é a salvaguarda desta renovação e, portanto, da própria “continuidade social da vida” (DEWEY, 1936 p. 20).

A garantia desta renovação se dará na transmissão, por meio da comunicação. Dewey trata desta questão em Educação e Comunicação, onde frisa a necessidade de ensinar e aprender para a existência social. “A sociedade não só continua a existir pela transmissão, pela comunicação, como também se pode perfeitamente dizer que ela é transmissão e é comunicação.” (DEWEY, 1936 p.23) Desta forma ao mesmo tempo em que a vida social exige o ensino e aprendizagem para sua renovação ela mesmo se torna educativa, pois o processo de viver juntos educa. Neste sentido a educação passa então a ser vista como uma experiência de compartilhar experiências, mediado pela comunicação .

Uma vez que a educação se dá no processo de relação social cabe a pergunta sobre o lugar da educação formal (terceiro e último bloco deste capítulo). Dewey não se olvida desta questão e fala sobre a educação informal e incidental – que ocorre naturalmente nas relações sociais – e a educação formal e intencional – que visa à formação. Neste ponto há a tentativa de justificar o papel da escola enquanto instituição educativa formal. Como afirma Dewey:

Sem essa educação formal é impossível a transmissão de todos os recursos e conquistas de uma sociedade complexa. Ela abre, além disso, caminho a uma espécie de experiência que não seria acessível aos mais novos, se estes tivessem de aprender associando-se livremente com outras pessoas, desde que livros e símbolos do conhecimento têm que ser aprendidos. (DEWEY, 1936 p. 27).

Assim cabe a escola uma tarefa difícil, a de manter o equilíbrio entre as experiências adquiridas nas relações sociais e as experiências aprendidas na própria escola. Dewey culmina o capítulo alertando para este fato comum das sociedades industrial e tecnologicamente desenvolvidas: “Este perigo nunca foi maior do que nos tempos atuais, em vista do rápido desenvolvimento, nos últimos poucos séculos, dos conhecimentos e espécies de aptidões técnicas” (DEWEY, 1936 p.29).

3. Capítulo 2 – Educação como Função Social

O capítulo II de Democracia e Educação dá continuidade às reflexões da relação entre educação e vida social e eleva o papel da educação para além da ação de transmitir conhecimento; neste capítulo Dewey apresenta a Educação como Função Social. Nas palavras de Dewey: “Neste capítulo trataremos em linhas gerais do modo pelo qual um grupo social conduz os imaturos à sua própria forma social.” (DEWEY, 1936 p. 39).

Este capítulo é dividido em quatro blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) Natureza e significação do meio; 2) O ambiente social; 3) O meio social como fator educativo; 4) A escola como ambiente social.

No primeiro bloco encontra-se uma formulação clássica de que o conhecimento transmitido aos mais jovens é circunstanciado pela ação do meio ambiente em que vive. Assim o meio consiste em condições que promovem ou dificultam as experiências do indivíduo e seu modo de proceder e agir; isto “porque a vida não significa mera existência passiva” (DEWEY, 1936 p. 32).

No segundo bloco Dewey passa a destacar a importância do ambiente social como espaço para realização/troca entre companheiros que estão ligados no exercício de atividades comuns, com ênfase, neste sentido, para a relação e dependência social. Da mesma forma como anteriormente fora destacado a influência do meio ambiente sobre o indivíduo, agora Dewey desta a influência do grupo e, portanto, do meio social para a formação dos hábitos e das próprias relações sociais.

Desta forma, o meio social é tratado em seu aspecto educativo, assunto do terceiro bloco deste capítulo. De acordo com Dewey “nossas faculdades de observar, recordar e imaginas não funcionam espontaneamente, mas são movidas pelas exigências impostas pelas ocupações sociais habituais.” (DEWEY, 1936 p. 38).

Contudo, à medida que a sociedade se torna mais complexa, é necessário perceber um ambiente social especial a fim de distinguir a ação educativa como ato casual do meio e a escolha intencional do meio como instrumento educativo. Dewey afirmará, no quarto bloco e, portanto, encerrando este capítulo que este meio social, especialmente preparado para influir na direção mental e moral dos que o freqüentam é a escola (DEWEY, 1936 p. 40). Ele ainda estabelece três funções importantes da escola, enquanto meio social educativo:

(...) simplificar e coordenar os fatores da mentalidade que se pretende desenvolver; purificar e idealizar os costumes sociais existentes; criar um meio mais vasto e melhor equilibrado do que aquele pelo qual os imaturos, abandonados a si mesmos, seriam provavelmente influenciados. (DEWEY, 1936 p. 44).

4. Capítulo 3 – A Educação como Direção
No capítulo III de Democracia e Educação, Dewey passa a tratar da educação, especialmente o ensino, como ação diretiva e denomina propositalmente este capítulo de Educação como direção. Dewey trata a questão da educação como direção sob os aspectos da orientação e ordenação traduzindo a idéia de que o ato educativo ocorre através de cooperação das capacidades dos indivíduos guiados em uma determinada linha contínua. Dewey não descarta aqui os termos controle e estímulo, mas prefere o sentido de direção.

Este capítulo é dividido em quatro blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) O meio como fator de direção; 2) Modalidades de direção social; 3) A imitação e a psicologia social; 4) Algumas aplicações a educação.

O autor abre o capítulo, no primeiro bloco, afirmando que por natureza os jovens não se harmonizam com os padrões sociais já construídos pela vida adulta. Entretanto, tais padrões sociais construídos e o próprio ambiente servirão como estímulos para o desenvolvimento de atividades dos mais jovens. Como estes estímulos por si só não são suficientes faz-se necessário a direção por meio da orientação e ordenação afim de que as atividades dos mais jovens respondam a ordenação do ambiente social.

Dewey continua esta reflexão e exemplifica através de modos de direção social, assunto do segundo bloco deste capítulo. Ele afirma que os adultos são naturalmente conscientes de seu papel na direção\orientação\controle do comportamento dos mais jovens. Entretanto, indica que esta direção não é pessoal, mas intelectual, ou seja, a direção ocorre quando os hábitos são participados e compreendidos. Conforme salienta Dewey:

Quando as vão para a escola já possuem juízo – têm conhecimentos e aptidões para julgar, aos quais se pode recorrer por meio do uso da linguagem. Mas estes juízos nada mais são que os hábitos coordenados de reações inteligentes que anteriormente foram necessárias para o uso das cousas em relação com o modo por que as outras pessoas usavam. Esta influência é inevitável; dela se impregnam as atitudes mentais. (DEWEY, 1936 p. 56).

No terceiro bloco Dewey fala da direção educativa discutindo imitação e psicologia social onde crítica o simples ato da imitação no processo educativo. Ele apela para o sentido de psicologia social justificando mais uma vez a importância das relações e da disposição mental em compreender as atividades onde os atores estejam envolvidos e, portanto, a formação de certa mentalidade que os torne participantes de tais atividades.

No quarto bloco deste capítulo – algumas aplicações a educação – Dewey sintetiza a proposta do capítulo na seguinte fala:

A essência da direção social é esta compreensão comum dos meios e dos fins. Ela é indireta, ou sentimental e intelectual, e não direta ou pessoal. Além disso, é disposição intrínseca da pessoa e, não, externa ou coercitiva. O fim da educação é conseguir esta direção interna por meio da identidade de interesse e compreensão. (...) Para sua plena eficiência, as escolas precisam de mais oportunidades para atividades em conjunto, nas quais os educandos tomem parte, a fim de compreenderem o sentido social de suas próprias aptidões e dos materiais e recursos utilizados. (DEWEY,1936 p. 64)


5. Capítulo 4 – A Educação como Crescimento

O quarto capítulo de Democracia e Educação, A educação como crescimento, irá abordar as condições e implicações do crescimento com destaque que a capacidade de crescer é decorrente da necessidade dos outros e o poder de aprender (plasticidade) e que ambos têm seu auge na infância e adolescência. Por isso, mais uma vez a importância da educação, pois a sobrevivência da sociedade “dependerá em grande escala da direção dada anteriormente a atividade infantil” (DEWEY1936 p. 65).

O capítulo é dividido em três blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) Condições de crescimento; 2) Os hábitos como manifestações do crescimento; 3) A significação educacional do conceito de desenvolvimentos.

Ao falar sobre as condições para o crescimento, no primeiro bloco, embora Dewey parta de que a primeira condição para o crescimento é a imaturidade, deixa claro que emprega o termo referindo-se a uma força ou aptidão positiva e não uma lacuna ou ausência. Sendo assim, insta para a importância do cuidado com a infância como momento oportuno para se adquirir novas aptidões e conhecimentos. Como ele mesmo destaca:

A crescente complexidade da vida social requer cada vez mais prolongado período de infância para se adquirirem as necessárias aptidões; e prolongamento de dependência corresponde a prolongamento da plasticidade ou faculdade de se adquirirem novos e vários modos de direção. E, em conseqüência, maior impulso ao progresso social. (DEWEY, 1936 p. 70)

No segundo bloco ele continua a tratar da plasticidade da criança, ou de aprender com a experiência e a conseqüente formação de hábitos. Deixa clara a crítica aos maus hábitos ou a simples repetição. Recorre então ao sentido dos hábitos para o que ele chama de fins humanos, ou seja, hábitos que auxiliem o indivíduo na adaptação ao seu ambiente social. Desta forma irá classificar os hábitos em passivos (na atividade orgânica com o meio, fornecendo, portanto, base para o desenvolvimento) e hábitos ativos (condições para readaptar a atividade a condições novas, portanto, constituindo o próprio desenvolvimento).

Quando Dewey trata da significação educacional do desenvolvimento, no terceiro bloco, ele estabelece uma simbiose entre educação e desenvolvimento, como se ambos passassem a constituir uma relação tão intrínseca a ponto de se tornarem uma só e, portanto, uma característica da própria vida. Ele conclui o capítulo evocando a relação entre desenvolvimento e educação nos seguintes termos: “O desenvolvimento não tem outro fim a não ser ele próprio. O critério do valor da educação escolar está na extensão em que ela suscita o desejo de desenvolvimento contínuo e proporciona meios para esse desejo.” (DEWEY, 1936 p. 79).

6. Capítulo 5 – Preparação, Desdobramento e Disciplina Formal.

Depois de tratar a educação como um processo contínuo de desenvolvimento, Dewey passa a trabalhar, no quinto capítulo – Preparação, Desdobramento e Disciplina Formal – a educação voltada para o presente do educando, para isso faz críticas a modelos educativos que tratam a criança como candidato a vida adulta. Ele ainda insiste na sua argumentação de que a educação enquanto processo de desenvolvimento não consiste na idéia de preencher um vazio ou uma lacuna.

O quinto capítulo é dividido em três blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) A educação como preparação; 2) A educação como desdobramento; 3) A educação como o adestramento das faculdades.

Na primeira da parte do quinto capítulo Dewey inicia sua crítica ao processo educativo que tenta perceber a educação como preparação a fases futuras da vida. A crítica não se acentua no aspecto da preparação em si, pois argumenta que a preparação ocorre naturalmente em qualquer processo educativo uma vez que o futuro é inevitável; mas antes sua crítica recai no aspecto de se querer transformar “essa preparação no real esforço presente” (DEWEY, 1936 p.82). Argumenta ainda que o desenvolvimento não é algo que se completa em alguma fase da vida, mas que este “é um contínuo conduzir para o futuro” (p. 82). Desta forma, insta seus leitores a se aperceberem da importância de investir as energias na educação presente tornando esta experiência mais rica e significativa possível. Como o presente inevitavelmente se transformará em futuro significa que cuidando do presente se estará também garantindo o futuro.

Dewey continua sua crítica aos modelos educativos que, a seu ver, trabalham equivocamente o sentido de desenvolvimento. No segundo bloco deste capítulo ele passa então a criticar a educação enquanto desdobramento. Segundo a percepção da educação como desdobramento o desenvolvimento é apenas um movimento para atingir-se uma determinada plenitude. Neste sentido, o ser é visto como possuindo faculdades latentes que ainda não foram exteriorizadas, sendo que o desenvolvimento é apenas um meio de exteriorizar tais faculdades. Uma vez exteriorizadas elas irão desdobrar-se em capacidades e realizações. Observa-se que neste bloco Dewey, além de criticar tal modelo de perceber o desenvolvimento, dialoga criticamente com Rousseau, Froebel e Hegel.

No terceiro bloco Dewey passa agora a tecer críticas e considerações a respeito da teoria da disciplina formal. Segundo Dewey (1936) esta teoria “tinha em vista o ideal legítimo de que o resultado do processo educativo seria o criarem-se aptidões especiais para as realizações". (p. 88). Neste sentido o processo educativo seria de adestramento por meio de repetição de algumas faculdades inatas. Dewey ainda acentua que, da mesma forma como a preparação e o desdobramento, a disciplina formal trata o processo e ação educativa como algo exterior e indiferente ao desenvolvimento e continua a insistir que não deve haver cisão entre desenvolvimento e educação.

7. Capítulo 6 – Educação Conservadora e Progressiva

No sexto capítulo Dewey passa a tratar educação concebida retrospectivamente (conservadora) e prospectivamente (progressiva). Para isso isto irá tratar de teorias em que, a seu modo de ver, a educação e o processo de desenvolvimento não serão vistos como aperfeiçoamento ou desdobramento. Ao tecer considerações sobre educação conservadora e progressista o autor destaca a relação entre ambas e afirma que: “(...) pode-se considerar como o processo de adaptar o futuro ao passado, ou como utilização do passado como um dos recursos para o desenvolvimento do futuro.” (DEWEY, 1936 p. 110).

O sexto capítulo é dividido em três blocos de assuntos e mais o resumo. Os blocos de assuntos são sumariados da seguinte forma: 1) A educação como formação; 2) A educação como recapitulação e retrospecção; 3) A educação como reconstrução.

Na teoria da educação como formação, conteúdo do primeiro bloco do sexto capítulo, o espírito é formado, como salienta Dewey na apresentação da teoria, através do ato educativo externo por meio da instrução. Neste sentido, dá-se importância exagerada aos métodos e a figura do instrutor, denominado por Dewey como mestre-escola. Dewey critica esta teoria apontando sua fragilidade em desprezar a contínua relação entre atividades inatas e materiais do ambiente social.

O segundo bloco pode ser sintetizado na seguinte apresentação da teoria da educação como recapitulação e retrospecção, segundo a crítica apresentada por Dewey:

Uma combinação particular das teorias do desenvolvimento e da formação efetuados do exterior para o interior deu origem a teoria da educação como recapitulação biológico e cultural. O indivíduo desenvolve-se, mas seu conveniente desenvolvimento consiste em repetir em estágios ordenados a evolução passada da vida animal e da história humana. (DEWEY, 1936 p. 101).

Dewey ainda afirma que a teoria da educação como recapitulação e retrospecção teve pouca adesão, encontrando apenas refúgio nos continuadores da escola de Herbart (principal nome histórico da teoria da educação como formação).

Ao tratar da educação como reconstrução, no terceiro bloco do capítulo seis, Dewey estabelece a concepção de que a educação é um constante reorganizar ou reconstruir da experiência. “Ela tem sempre um fim imediato, e, na proporção em que a atividade for educativa, ela atingirá esse fim – que é a transformação direta da qualidade da experiência.” (p. 106). Assim ele aponta para o chamará de definição técnica da educação, ou seja, a educação como reconstrução e reorganização da experiência a fim de dirigir as experiências posteriores.

Ele conclui o sexto capítulo com uma reflexão e resumo do que tratou nestes seis primeiros capítulos. Segundo Dewey:

As idéias sobre a educação expostas nestes primeiros capítulos resumem-se formalmente na concepção da continua reconstrução da experiência, concepção que se distingue da educação como preparação para um futuro remoto, como “desdobramento”, como formação externa e como repetição do passado. (DEWEY, 1936 p. 110).


REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA
DEWEY, John. Democracia e Educação. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1936.
CUNHA, Marcus Vinicius da JOHN DEWEY: democracia e educação, capítulos essenciais. São Paulo, Ática, 2007.

JORGE NAGLE

Ao mesmo tempo que situei a década de 20 como uma encruzilhada na história brasileira, incluindo a questão mais ampla da República – ou melhor, o da “republicanização da República” –, esforcei-me para apresentar indicadores desse estado de coisas.


1. Introdução

Em 1974, o professor Jorge Nagle, da Universidade Estadual de São Paulo, campus de Araraquara, publicou a obra Educação e sociedade na primeira República, resultado de sua tese de doutorado. Este livro marcou a história e historiografia da educação brasileira e compõe, juntamente com outras obras de referência em educação, parte da galeria das obras essenciais em educação no século XX. Trata-se, assim, de um livro cuja trajetória, nesses quase quarenta anos de sua primeira publicação, confunde- se com a própria trajetória recente da reflexão educacional, pela influência exercida sobre aqueles que mais ultimamente a vêm alimentando. Desta forma é possível afirmar que Nagle, e sua referida obra, constituem marca indelével nas composições historiográficas da educação brasileira. A obra de Jorge Nagle pode ser considerada uma referência da historiografia educacional dos anos 70, pois apresenta categorias de análise – entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico - ainda hoje usadas

A síntese deste trabalho de Nagle é encontrada em seu artigo “Trajetórias da pesquisa em história da educação no Brasil” e no capítulo “A educação na primeira República”, este último publicado no segundo volume da obra O Brasil Republicano, do historiador e organizador Boris Fausto .

Este presente trabalho busca dialogar com o capítulo escrito por Nagle no segundo volume da obra de Boris Fausto, capítulo VII “A Educação na primeira República” . A escolha é resultado da leitura do referido capítulo e dos apontamentos realizados no seminário sobre Jorge Nagle no grupo de estudo epistemologia e educação, coordenado pelo prof. Reginaldo Plácido e com participação de alunos\as do Núcleo de Formação de Docentes do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix no 2º semestre de 2010.


2 Educação na Primeira República

Antes de iniciar a apresentação do texto A educação na Primeira República, de Jorge Nagle, cabe pontuar a divisão didática destacada no decorrer da leitura do capítulo. Tal divisão pode ser sumariada da seguinte forma: o arrefecimento do fervor ideológico; o entusiasmo pela educação; o otimismo pedagógico; o Estado e a educação; a administração escolar; a escola primária e a escola normal; a escola técnico-profissional; a escola secundária e superior; a penetração da Escola Nova; a literatura educacional; a herança da Primeira República. Os temos orbitam em torno das categorias criadas por Nagle “entusiasmo pela educação” e “otimismo pela educação”.

Já na abertura do texto o autor procura advertir para questão cronológica, afirmando que “nem a República se implanta a partir de 1889 nem a Primeira República termina em 1930” . Esta advertência é importante, pois deixa claro que os ideais republicanos, no Brasil, têm origem anterior a proclamação da República bem como os sistemas políticos agrários e oligárquicos também não se encerram com o início da era Vargas. Assim o recorte “Primeira República” é utilizado para situar a discussão sobre a educação nos limítrofes do fim do Império e a era Vargas. É nestes limítrofes que a discussão educacional brasileira transita nos discursos republicanos sendo, às vezes, utilizada como correia de transmissão do ideário desta nova\velha República. Assim, o recorte compreendido entre 1889 a 1930 foi importante porque caracterizou alguns momentos relacionados aos trâmites de desenvolvimento da educação por ocasião da implantação do sistema republicano.


2.1 O arrefecimento do fervor ideológico

Na transição do Império para a República houve movimentos ideológicos que, embora de caráter distinto entre si, vociferavam sobre as precárias condições educacionais e da importância de uma política nacional de educação. a educação, ao lado da democracia e federação, seria precursora da redenção nacional que caracterizaria a República. Assim, a República herdou dos anos finais do Império “um acervo rico para pensar e repensar uma doutrina e um programa de educação.” Entretanto, este fervor ideológico suscitado na fase final do Império esfria nos primeiros anos de República. Nagle nomina este momento como “arrefecimento do fervor ideológico”, identificando este período como o momento em que primeiro foi necessário primeiro compor a nova liderança do sistema republicano. O autor ainda destaca que, apesar do arrefecimento na questão da educação houve movimentos restritos na área da educação como, por exemplo, a Reforma Benjamim Contant (1890) e a Reforma Caetano Campos (1892). Entretanto, estes movimentos foram exceção nesta época. Como afirma o próprio Nagle:

Mas a verdade é que depois dos anos iniciais do regime republicano instala-se um clima de modo geral alheado de discussões vigoras e de planos inovadores. Os quinze primeiros anos deste século são marcados por um comportamento desalentador dos poucos homens públicos que ainda conservavam a esperança inicial na difusão ampla dos novos costumes e modos de pensar, em conseqüência das proclamadas virtudes do regime bem como da multiplicação e diversificação das instituições escolares.


2.2 O entusiasmo pela educação

A partir de 1915 os republicanos começam a se redimir deste arrefecimento e iniciam um novo momento que Nagle categoriza como “entusiasmo pela educação”. Este movimento que, por meio da difusão do processo educacional, buscava a “republicanização da república” voltou-se especialmente para a escola primária ,escola popular. Cabe destacar o viés nacionalista deste movimento e, por isso, ligado aos discursos nativistas da época em que a educação estava associada a regeneração nacional e, portanto, a constituição de uma nova sociedade brasileira. Assim a principal característica do entusiasmo pela educação é a difusão da escola.

Este movimento, segundo Nagle, inicia-se com as conferências de Olavo Bilac e na formação de ligas e movimentos nacionalistas, que visavam proclamar contra “a gravidade da situação moral” através do serviço militar (para fazer frente aos perigos externos) e na instrução (para fazer frente aos perigos internos).

Os movimentos nacionalistas propunham acabar com a abstenção eleitoral e contra as fraudes eleitoreiras da época. Cabe frisar que o exercício do direito ao voto era restrito aos alfabetizados. Por isso, para combater a “aristocracia dos que sabiam ler e escrever” era necessário uma luta contra o analfabetismo. Assim, alfabetizar significava proporcionar a aquisição de direitos políticos. Isto explica, em parte, o interesse nas discussões e disseminação da educação popular. Tais discussões, antes restritas ao Congresso Nacional ganham novas proporções fomentando desde o surgimento de editoriais pioneiros (Biblioteca de estudos pedagógicos e Coleção Pedagógica) a criação da primeira Universidade oficial brasileira (Universidade do Rio de Janeiro -1920). O entusiasmo marca a difusão da escola e o surgimento dos profissionais da educação.

 
2.3 O otimismo pedagógico

Enquanto no entusiasmo pela educação havia a preocupação com a difusão da escola, no otimismo pedagógico (outra categoria de Nagle) há a crença nas virtudes de novos modelos, pela substituição de um modelo por outro baseado, portanto, na remodelação. Nagle destaca que a forma mais acabada de otimismo pedagógico se concretizou na introdução sistemática das idéias da Escola Nova a partir de 1927.

Com as reformas estaduais das escolas primárias e secundárias, realizou-se o ideário do escolanovismo, que tem como objetivo deslocar o aluno para o centro das reflexões escolares,onde era promovido novos valores ,novas disciplinas,novo significado. Destas reformas estaduais destacam-se: Minas Gerais (1927), Distrito Federal (1928), Pernambuco (1929) e São Paulo (1930). O otimismo pedagógico acentuou as propostas do entusiasmo pela educação e ampliou propondo não apenas novas escolas, mas novos modelos. Não tratava-se de reforma, mas de remodelação, buscando romper de vez com o tradicionalismo.


2.4 O Estado e a educação e a Administração Escolar

Sob o desenvolvimento do entusiasmo educacional na Primeira República, o Estado foi pressionado a ampliar sua responsabilidade pelas questões educacionais e conseqüente expansão da escola. Esse entusiasmo foi um a resposta à desilusão dos republicanos para educar a população,que tinha como objetivo lutar contra o descaso dos poderes públicos nessa área.

Estas pressões se orientavam “para uma posição intervencionista, com a criação da imagem de um novo papel do Estado que atinge os dispositivos constitucionais” . Cabe lembrar que a Constituição republicana de 1891, na questão da educação ainda se orientava pelo Ato Adicional de 1834, “segundo a qual compete a União fixar os padrões da escola secundária e superior, enquanto os da primária e técnico-profissional competem aos Estados” .

A interpretação da Constituição de 1891 dava a União o cômodo argumento de uma prática distante do intervencionismo, “limitando-se apenas em fixar os padrões da escola secundária e superior”. Em contrapartida os Estados afirmavam que pouco podiam fazer pela educação primária e técnico-profissional, pois estavam limitados pelas expensas dos cofres públicos.

Quanto aos serviços de administrativos ligados à educação no período republicano, a administração federal outorga ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, por meio de diretorias a administração e regulamentação da educação no país. Aqui é importante ressaltar que o Ministério da Educação e Saúde Pública foi criado apenas em novembro de 1930, já na era Vargas.

Os Estados, a exemplo da União, criaram instancias ligadas às Secretarias do Interior ou a Secretarias da Agricultura, Indústria e Comércio. Estas instancias eram freqüentemente denominadas de Inspetoria Geral de Instrução Pública. Com os movimentos reformistas, impulsionados pelo otimismo pedagógico, tais Inspetorias se transformaram Diretorias Gerais sob a responsabilidade de técnicos, os educadores profissionais.


2.5 A escola primária e a escola normal

Os Estados, orientando-se pela interpretação da Constituição de 1891, tentavam cumprir seus deveres na área da escola primária e da escola normal. A União, até 1920, somente intervêm três vezes numa tentativa coxa de conjugar esforços com os Estados: fechamento de escolas estrangeiras no Sul ao fim da 1ª Guerra Mundial; na convocação para a Conferência Interestadual de Ensino Primário; e no acordo no qual a União subvencionaria os Estados para a difusão da escola primária rural.

Com o advento do entusiasmo pela educação, guindado nos discursos nacionalistas de que à educação cumpria papel redentor da sociedade brasileira, a União percebe a situação humilhante das escolas primárias. Até então as escolas primárias ofereciam cursos de quatro anos de duração para zonas urbanas e de três, na zona rural.

A escola normal destinava-se a formação de professores primários. Era uma escola de formação geral e com procura, em sua maioria, por moças.

Tanto a escola primária como a escola normal sofreram profundas transformações com os movimentos reformistas e remodeladores da década de 20. Destas mudanças destaca-se a reforma Dória Sampaio, que propunha a redução do tempo escolar para dois anos para conseguir combater o analfabetismo, pois o Estado não tinha mais recursos; o ensino aplicado era a base para se ter noções necessárias para a vida.

As duas tendências a respeito da escola primária e normal eram: a) a da nacionalização: é o fenômeno presente nas pregações nacionalistas de 1915 ,voltadas ao patriotismo. b) a da regionalização: é um fenômeno tardio porque se esforçava para ajustar os padrões de ensino e cultura da escola primária e normal à vida social em que se encontravam, quando essas eram aproveitadas como sugestões para o ensino mais vivo.

 
2.6 A escola técnico-profissional

A escola técnico-profissional da primeira República era muito semelhante a do império. Continuava com o mesmo objetivo de atender às classes populares e pobres. Apresentava-se como para atender a “necessidade de misericórdia pública” , tinha como objetivo a regeneração do trabalho.

Este modelo de escola destinava-se a formação de mão-de-obra dos setores da indústria (escola técnico-industrial), agricultura (escola técnico-agrícola) e comércio (escola de comércio).

O estudo da educação técnico-agrícola elaborou uma regulamentação que visava incrementar a educação prática ,moral ,cívica e profissional. Só a escola técnico-comercial recebeu uma regulamentação do Governo Federal.


2.7 A escola secundária e a superior

A escola secundária e a superior se processaram simultaneamente, consideradas inseparáveis formaram um subsistema autônomo: havia total dependência da escola secundária em relação à superior. As reformas que se processaram em ambas eram matéria de competência do Congresso Nacional. Sendo, portanto, de responsabilidade do Governo Federal fornecer o padrão das escolas secundárias e superiores de todo o país

Das seis reformas na escola secundária e superior listadas por Nagle na primeira República, destacamos a de Benjamin Constant (1890). Esta reforma reorganizou a escola secundária e a transformou em escola formativa, deixando de ser um curso preparatório dos cursos superiores. Conhecida como uma escola de cunho científico seu currículo fazia combinação entre ciências e as letras.

Com a extinção da equiparação de Benjamin, tentou-se realizar a “liberdade de ensino” originando um momento de suspensão das medidas principais. A Reforma Carlos Maximiliano estabeleceu o exame vestibular. Esta reforma ao mesmo tempo em que afirmava o poder federal sobre o ensino secundário, abria as portas às idéias de diversificação da Educação nacional e da educação autônoma e flexibilidade das instituições docentes.

Cabe ainda destacar que no âmbito da escola superior no período da primeira República foi criada a Universidade do Rio de Janeiro ainda como resultado da Reforma Carlos Maximiliano.


2.8 A penetração da Escola Nova e literatura sobre educação

Nagle destaca que a implantação da Escola Nova no Brasil, em seu estudo, se dá em duas fases: no fim do período imperial e na década de 20 do século passado.

O que se encontra da penetração do escolanovismo no Brasil, são infiltração de idéias que contribuíram para o aparecimento da literatura nacional, daí a mudança dos papéis do professor e do aluno. O aluno era o foco principal. Na segunda fase percebe-se as transformações qualitativa na literatura brasileira.

Obras importantíssimas foram surgindo, já que antes a literatura era escassa, como trabalhos de natureza pedagógica, doutrinais, difusão da escola, conteúdo didático entre outros. Houve maior interesse da parte das editoras.

É nessa mudança de uma reforma para outra que muitos grupos políticos se surpreenderam porque mobilizou vários grupos em lutar pela educação e, conseqüentemente por um país democratizado.





segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Emílio, ou da Educação (Jean Jaques Rousseau)

“Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos dos homens” (Rousseau)


1 Introdução

Na história das idéias o nome do suíço Jean Jaques Rousseau (1712-1778) fulgura na constelação dos grandes pensadores, sobretudo, no contexto das grandes discussões dos ideais (liberdade, igualdade e fraternidade) que circundaram o contexto da Revolução Francesa. Destaca-se, ainda no contexto de tais ideais, que o princípio fundamental da obra de Rousseau, pelo qual ela é definida até os dias atuais, é que o homem é bom por natureza, mas está submetido à influência corruptora da sociedade. Um dos sintomas das falhas da civilização em atingir o bem comum, segundo o pensador, é a desigualdade, que pode ser de dois tipos: a que se deve às características individuais de cada ser humano e aquela causada por circunstâncias sociais.

Dos muitos escritos de Rousseau tratar-se-á aqui de seu tratado sobre educação, o Emílio, especificamente dos conteúdos do Livro I que versa sobre “A idade da natureza – o bebê (infans)”. A obra Emílio, ou da Educação data de 1762 sendo, portanto, contemporânea do Contrato Social . Ambas foram extremamente polêmicas e causadoras de diversos problemas para Rousseau. Além de sua perseguição política, Rousseau foi condenado por uma carta pastoral do bispo de Paris, não podendo lecionar ou se aproximar da universidade . O Emílio é uma obra com singularidade especial, pois já em seu tempo evoca a democratização da educação rompendo com o modelo das escolas monacais e palacianas tuteladas pela Igreja e pela monarquia, promovendo assim uma escola e Estado laicos.

O Emilio é dividido em cinco livros:

a) Livro I: idade da natureza – o bebê (infans)

b) Livro II: idade da natureza – de 2 a 12 anos (puer)

c) Livro III: idade da força – de 12 a 15 anos

d) Livro IV: idade da razão e das paixões – de 15 a 20 anos

e) Livro V: idade da sabedoria e do casamento – de 20 a 25 anos

Os conteúdos do Livro I são sumariados Launay com a seguinte divisão:

- Introdução: importância e objetivo da educação

- A verdadeira ama é a mãe

- O verdadeiro preceptor é o pai

- Um aluno imaginário: Emílio, órfão

- A ama de Emílio

- Antes de falar, antes de entender, ele já se instruiu.



No prefácio do Emílio é interessante perceber que Rousseau escolhe como epígrafe a frase de Sêneca que, embora pareça fortuita ou casual, reflete sua concepção de homem natural. Em outras palavras, o Emílio enfatizará o processo de educação que deve conservar a inocência e as virtudes do estado de natureza, remetendo a uma bondade humana inata. Afirma que “ao que chamaremos parte sistemática (...) não é senão a marcha da natureza” . Assim o pensador suíço, em sua obra, prega o retorno à natureza e o respeito ao desenvolvimento físico e cognitivo da criança.

Rousseau afirmará, ainda no prefácio do Emílio, que seu objetivo é alcançar as mães, visto que são elas quem primeiro educam as crianças . O autor também fala sobre o volume do livro, afirmando que o mesmo não é "volumoso", pois o que é grande é o tamanho e a importância do assunto que ele trata . Com efeito, sua obra é a proposta de uma boa educação, assunto que não se esgota nunca. Sua intenção é buscar conhecer seus alunos e a infância, tendo como objetivo melhor formá-los para a vida. Rousseau confessa o caráter pessoal de sua obra:

Para mim, basta que em toda parte onde nasceram homens se possa fazer deles o que proponho; e que, tendo feito deles o que proponho, se tenha feito o que há de melhor, tanto para eles próprios quanto para os outros. Sem não cumprir este compromisso, sem dúvida terei errado; se porém cumpri-lo, será errado também exigir mais de mim, pois é só isso que prometo.

2 Livro 1

O Livro I Emílio, como ventilado anteriormente, trata do bebê (infans) como um dos períodos – ou fases – aos quais Rousseau denomina como “idade da natureza” (o outro período da idade da natureza será de 2 a 12 anos – puer). Rousseau inicia o Livro I afirmando que as coisas acontecem corretamente quando são realizadas pela natureza, mas com a alteração do homem as coisas pioram. Por isso, o homem não pode ficar abandonado e sem diretriz. Ele necessita da família e do Estado para poder se desenvolver plenamente. Com isso, Rousseau procura justificar a importância e objetivo da educação. Segundo o pensador suíço “Moldam-se as plantas pela cultura, e os homens pela educação” .

Partindo do pressuposto de que a educação molda os homens o teórico segue defendendo que tal educação deve iniciar já na infância. O estado da infância é importante para o amadurecimento do homem, sendo a educação um processo. O homem é desprovido de recursos naturais que o façam forte, tais como garras, dentes e etc. Contudo, ainda que o homem fosse forte a educação seria importante. Rousseau é adepto da teoria de "potência não é nada sem controle", tanto para seu bem como para o bem da sociedade, o homem deve receber uma boa formação. Note-se que nesse ponto existe em Rousseau a concepção de uma certa paidéia (formação integral) e que, tal como os gregos, Rousseau considerava inculto (apaideutos) aquele que não fizera sua paidéia. A educação fornece tudo o que o ser humano não possui, isto é, força; juízo e outros benefícios.

Existe na concepção de Rousseau três tipos de educação: a da natureza, a dos homens, a das coisas . O problema apontado pelo autor é que estes três tipos de educação não eram apenas tratados de forma diferente, mas em oposição. Sua proposta é feita no sentido de eliminar essa oposição. A educação da natureza aborda o desenvolvimento interno do homem, a educação dos homens faz uso desse desenvolvimento eterno, a educação das coisas aborda o ganho sobre as nossas experiências. Uma junção dessas formas seria o ideal de educação para o autor. Contudo, só a educação dos homens está sob a nossa total responsabilidade e possibilidade.

Ainda assim, deve-se tentar se aproximar da educação da natureza. A natureza não é somente o hábito, por exemplo, as plantas podem precisar de uma alteração na sua posição para que gerem melhores frutos (Rousseau dá esse exemplo). A indagação de Rousseau será a seguinte: visto que a educação é um hábito que alguns perdem e outros não, qual o motivo de tal diferença? Na sociedade, por exemplo, o civil deve se sobrepor ao natural:

Aquele que, na ordem civil, quer conservar o primado dos sentimentos da natureza não sabe o que quer. Sempre em contradição consigo mesmo, sempre passando das inclinações para os deveres, jamais será nem homem, nem cidadão; não será bom nem para si nem, nem para os outros. Será um desses homens de hoje, um francês, um inglês, um burguês; não será nada.



Na ordem social, ensina-se o ser humano para o cumprimento de sua vocação. Na ordem natural, ensina-se a ser homem. A educação integral é para viver os benefícios e saber suportar os malefícios. A educação deve saber corresponder a um tempo de mudanças, devendo ensinar os seres humanos, a partir da infância, a exercitar as dificuldades para poder enfrentá-las, seguindo assim o curso da natureza no enfrentamento dos acidentes da vida humana:

Trata-se menos de impedi-lo (a criança) de morrer que de fazê-lo viver. Viver não é respirar, mas agir; é fazer uso de nossos órgãos, de nossos sentidos, de nossas faculdades, de todas as partes de nós mesmos que nos dão o sentimento de nossa existência. O homem que mais viveu não é o que contou o maior número de anos, mas aquele que mais sentiu a vida. Tal homem foi enterrado aos cem anos e estava morto desde o nascimento. Melhor seria ir para a tumba na juventude, se pelo menos tivesse vivido até essa idade.



Segundo Rousseau, a falta de liberdade do ser humano começa ao nascer. Assim que nasce o pobre bebê é enrolado em faixas e panos que impedem sua movimentação. Essa movimentação é, para o autor, vital. Para ele, a diferença entre um desenvolvimento físico saudável e o doentio pode ser explicada a partir disso. As mães são as culpadas dessas faixas e panos, sendo também culpadas de não amamentar os seus filhos. Afinal, segundo Rousseau, elas passam o cuidado das crianças para as amas, que operam tal coisa junto aos pobres bebês. A partir deste ponto o autor evoca a condição materna como responsável pela educação inicial da criança

A primeira educação cabe, segundo Rousseau, por natureza, às mulheres (as mães ). Logo, é de suma importância instruir as mães a fim de elas não estraguem os seus filhos. Existe também, para ele, uma aliança entre as mulheres e os médicos que tem por fim liberar as mães da amamentação. A ama de leite é um problema para a educação da criança. Afinal, a criança devota amor a quem primeiro lhe atende. Contudo, por causa da hierarquia familiar e social, a criança deve devotar amor à mãe e não para sua ama de leite. Qual será então a solução? O filósofo propõe que se trate a ama de leite como uma mera criada e que essa não tenha outros contatos com a criança, fazendo-se assim, preserva-se a educação da criança. Para Rousseau, o ideal seria que as próprias mães amamentassem. Ele sabe, contudo, que isso seria difícil no seu tempo. Outra constatação feita por ele é sobre o alto índice de mortalidade infantil. Se houvesse amamentação adequada com uma mãe com leite recente para uma criança recém-nascida (e assim evolutivamente), talvez esse índice fosse menor.

Outro aspecto interessante da primeira infância que será desenvolvido por Rousseau é sobre a "criança tirana". Segundo ele, uma boa educação não deve propiciar o surgimento de uma criança tirana, mas deve fornecer limites do que ela pode ou não fazer em relação ao mundo exterior. Excesso de mimos ou de pancadas não ajudam nesse processo. Para Rousseau só pais esclarecidos podem criar bem os seus filhos, por isso a verdadeira ama é a mãe e o verdadeiro preceptor é o pai. Aqui cabe frisar o paradoxo biográfico de Rousseau que abandonou seus próprios filhos. Segundo Launay, em função deste abandono, pesava sobre Rousseau certo sentimento de culpa . O próprio Rousseau expressa isso ao tentar justificar:

A decisão que tomara como relação aos meus filhos, por mais racional que me tivesse parecido, nem sempre me deixava o coração tranqüilo. Ao meditar sobre o meu Tratado de Educação, senti que tinha negligenciado deveres de que ninguém me poderia dispensar.



Tecidas essas considerações, Rousseau criará o seu protótipo ideal de aluno: Emílio. O instrutor de Emílio não deve ser jovem, mas maduro. Seu preceptor deve fazer a função que Emílio reconhecerá mais tarde no governante, nesse sentido deve educá-lo para a política. Emílio deve ser francês, nem negro e nem de outra nacionalidade que, segundo Rousseau, não possuem evolução intelectual. O aluno deve ainda ser rico, visto que o pobre não necessita de plena formação, a sua lhe é suficiente. Deve também ser órfão, para criar a condição ideal entre discípulo e mestre: libertar-se mutuamente no futuro. Emílio deve ser saudável, possuir um corpo forte, não ser dado às paixões e nem efeminado. Emílio deve seguir a natureza e o bom governo deve lembrá-lo sempre disso. Como a educação é um processo, de nada serviria Emílio já ter nascido adulto. Afinal, mesmo no reino da natureza tudo é instrução. Rousseau espera nunca levar Emílio ao médico, visto que considera essa classe como abjeta. Ele acha somente a higiene útil na medicina. Os médicos são uma classe que não ajudam as pessoas para a vida, mas vivem de prepará-las para a morte.

A ama de Emílio deve ser uma estranha. Emílio deve beber leite novo de uma ama nova e ir mudando gradativamente. A ama deve ser temperante para não alterar os humores da criança. Também não deve haver mudanças, deve-se preferir uma só ama (fixa). A ama deve ter uma dieta balanceada para produzir um bom leite. Segundo Rousseau, para a produção de um bom leite nada é melhor do que o ar do campo, logo a ama pode ser uma camponesa. Nosso autor também tecerá uma crítica às cidades e um elogio ao campo. Não se deve usar vinho misturado à água do primeiro banho e deve-se usar água primeiro quente, depois morna e ainda depois fria ou gelada. Essa cadeia evolutiva ajudará na movimentação da criança.

Também não se deve mimar a criança ou torná-la viciada em muitos carinhos, só se deve fazer o que ela deseja quando ela já tiver atingido uma maturidade para saber o quer realmente. Deve-se desmistificar as consciências infantis, isto é, mostrar a elas máscaras, armas de fogo e fazer com que elas aprendam o que são e para que servem. Deve-se estimular a criança a ter contatos com outros corpos a fim de que possa conhecê-los. Conhecendo essas coisas a criança falará um língua universal, que todos podem compreender. Não é preciso que a ama fique tagarelando coisas numa linguagem que a criança não entende.

Por fim, encerrando a primeira parte do Emílio, Rousseau defende quatro máximas para a formação do seu pupilo: 1) ajudar a criança na sua carência; 2) dar-lhe apenas o que é útil, sem fantasias; 3) entender sua linguagem e lhe dar o que ordena sua natureza; 4) criar condições para sua independência, para que saiba discernir.

Rousseau conclui o primeiro livro da sua obra Emílio sintetizando o que ele compreendia o que era o bebê (0 a 2 anos) segundo a idade da natureza:

Os primeiros desenvolvimentos da infância dão-se quase todos ao mesmo tempo. A criança aprende a falar, a comer e andar aproximadamente ao mesmo tempo. Esta é propriamente a primeira fase de sua vida. Antes, não é nada mais do que aquilo que era no ventre da mãe; mal tem sensações e nem mesmo percebe a sua própria existência.