No período quando realizei meu mestrado em Teologia (linha de pesquisa em Teologia e História) tive a oportunidade de participar do grupo de estudos em Teologia e Interdisciplinaridade. Neste grupo partíamos da discussão da Teologia da cultura, tendo como referencial básico o teólogo teuto-americano Paul Tillich. Era um grupo formado por artistas, historiadores, pedagogos, psicólogos e “até” teólogos. O que mais nos chamava atenção nas discussões da Teologia da Cultura era o interesse de Paul Tillich pela arte, em especial pela poesia e pintura. Na vista do Paul Tillich ao museu de Arte Kaiser-Friedrich, em Berlim, por ocasião de sua última dispensa da 1ª guerra ele deparou-se com uma das madonas de Botticeli e assim descreveu sua experiência: "Em um momento, para o qual não conheço outro nome a não ser inspiração, abriu-se para mim o sentido daquilo que uma pintura pode revelar. Ela pode dar acesso a uma nova dimensão do ser, mas somente quando, ao mesmo tempo, possui a força de abrir a camada correspondente da alma." (Tillich, 1961)
No caso de Tillich é possível afirmar que arte é inspiradora de sua teologia e filosofia. Não apenas uma inspiração no sentido de ilustração das idéias, mas no sentido de que arte em si mesma constrói idéias e, portanto, é elemento constitutivo do conhecimento. Neste sentido é possível afirmar que na arte, da sua concepção à fruição da obra, surgem idéias que podem levar a categorias e conceitos.
Na discussão da Teologia da Cultura tínhamos por certo a presença da arte como forma de construção filosófica. Entretanto, parece que o assunto não é datado ou ultrapassado, pois é recente a valorização da imaginação e da criatividade como elementos constitutivos do conhecimento. Ao que tudo indica durante muitos anos, a visão positivista do conhecimento colocou a ciência no topo de uma pirâmide. Logo abaixo da ciência vinham conhecimentos tidos como inferiores, como a filosofia, a religião e a arte. No entanto, é necessário concordar que existam outras formas de explicar o mundo, tão importantes quanto a ciência. Uma dessas formas, ainda que um tanto desvalorizada, é a arte. Em filmes, quadros, livros e até histórias em quadrinhos pode estar a chave para compreender o homem e o mundo em que vivemos.
Quando, por exemplo, lemos a obra “Fausto”, de Goethe, percebe-se na mesma elementos complexos da construção do pensamento que vão para além do próprio pensamento, pois em “Fausto”, como em toda arte, é possível alcançar novas formas de experiência e, portanto, de discussões múltiplas sobre o próprio pensamento e o ser humano. Como afirma o próprio Goethe: "O homem não é apenas um ser pensante, mas também alguém que sente. Ele é um todo, uma unidade de forças múltiplas intimamente associadas. A obra de arte deve falar a este todo do homem, corresponder a essa rica unidade, a essa multiplicidade que nele existe (Goethe).
Ainda sobre o “Fausto” de Goethe, Oto Maria Carpeaux, no prefácio da tradução de Antônio Feliciano de Castilho, comenta: "É a obra mais complexa do mundo, mistura incrível de todos os estilos, e isso se explica só pela maneira como foi escrita a obra, durante 60 anos, acompanhando e exprimindo todas as mudanças estilísticas e filosóficas dessa longa vida literária."
Com efeito, Goethe dispunha do saber enciclopédico da sua época, resumindo poeticamente todos os sentimentos e pensamentos do homem moderno. Em sua obra ele procura uma identificação quase incondicional com o cosmos, quer a todo custo reconhecer o que há de comum entre a natureza e o indivíduo. Não seria Goethe, em sua expressão artística, portanto, um cientista?
Como diz Edgar Morin, no livro “A cabeça bem feita”: “em toda grande obra, de literatura, de cinema, de poesia, de música, de pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana”. Assim, embora a arte transgrida toda caracterização positivista de ciência, é possível afirmar que a mesma é ciência e, portanto, construção de conhecimento.
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