sábado, 5 de junho de 2010

Karl Marx

Karl Marx nasceu em Treves, capital da província alemã do Reno, em 1818. Filho de judeus, em 1824, batizou-se com o nome de Karl Heinrich Marx. Matriculou-se, em 1836, na Universidade de Bonn com a intenção de estudar Direito, mas antes viveu a vida boêmia que a dedicação aos estudos. Afastou-se do Direito e estudou com entusiasmo Filosofia e História, na Universidade de Berlim. Marx viveu relações contraditórias com o hegelianismo, a filosofia hegemônica nesse período. Hegel havia morrido em 1831. Participou da chamada “esquerda hegeliana” com David Strauss, Bruno Bauer, Ludwig Feuerbach. Foi este último que, com a publicação de A Essência do Cristianismo, aglutinou o pensamento de esquerda hegeliano. Marx participou das discussões do grupo de Berlim até 1841, quando voltou a Treves. Se se doutorasse pela Universidade de Bonn, poderia lecionar ali mesmo, pois contava com o apoio de Bruno Bauer. Com essa finalidade redigiu Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e Epicuro, influenciado pela Fenomenologia do Espírito de Hegel. Contudo, Bruno Bauer é expulso de Bonn e Marx procura outra universidade mais neutra para se doutorar, a de Iena. O namoro da burguesia liberal com a esquerda hegeliana durou pouco. A crítica de Marx à social-democracia, o socialismo utópico de Moses Hess afastaram os leitores da Gazeta Renana, revista dos hegelianos de esquerda, que foi fechada pelo governo prussiano. Em 1843, casou-se com Jenny Von Westphalen, amiga de infância, jovem de rara beleza e de alta posição social, com quem teve seis filhos, dos quais apenas três atingiram a vida adulta.

Em 1844, nos Anais Franco-Alemães, revista da esquerda hegeliana publicada no exílio (na França), Marx publicou o texto Introdução a uma crítica da Filosofia do Direito de Hegel; em contraposição a Hegel, afirma que a análise do Estado moderno deveria ser feita a partir da crítica do Estado real que lhe serve de base. Pela primeira vez, Marx proclamava a luta de classes como o motor da História e o proletariado como a classe que deveria subverter a estrutura da sociedade moderna. Veja essa citação: Sem dúvida, a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas, a força material não pode ser abatida senão pela força material, mas a teoria, desde que ela se apodere das massas, também se torna uma força material. A teoria é capaz de se apoderar das massas desde que ela se torne radical. Ser radical é tomar as coisas pela raiz. Ora a raiz para o homem é o próprio homem. ... A filosofia encontra no proletariado suas armas materiais assim como o proletariado encontra na filosofia suas armas intelectuais. (...). A filosofia não pode se realizar sem abolir o proletariado, o proletariado não pode se abolir sem realizar a filosofia (Apud Fernandes, 1983, p. 19). Foi publicado, nos Anais Franco-Alemães, um artigo de Friedrich Engels, que marcou uma virada no pensamento de Marx: Esboço de uma Crítica da Economia Política. Neste artigo, Engels, que residia na Inglaterra e tinha contato mais direto com a situação da classe trabalhadora, mostra que a “economia política” [de Adan Smith (1723-1790), de Ricardo (1772-1823)] é a ciência da sociedade civil, terreno em que os homens se defrontam como particulares e proprietários, mas como tal não é mais do que o lugar da alienação, onde o homem perde o seu caráter essencial e genérico. Por essa ciência não ter questionado a propriedade privada e por ter anteposto ao privatismo da sociedade civil a universalidade do homem, a “economia política” não consegue fazer uma crítica radical da sociedade moderna. Nesse período, Marx escreveu uma série de textos, que apenas em 1932 foram achados e publicados sob o nome de Manuscritos Econômico-Filosóficos. Para Fernandes, apesar da larga influência de Feuerbach e, principalmente, do predomínio sobre a ciência, os manuscritos inauguram uma nova modalidade de aplicação da dialética na investigação empírica e na explicação do homem e da sociedade em seu movimento de vir-a-ser histórico (1983, p. 23). É o período do chamado “jovem Marx”. Se estamos longe da maestria de a Contribuição à crítica da Economia Política e O Capital, Marx, contudo, já começara a “inversão” da dialética hegeliana, ficando rente ao real em suas tentativas tão originais de explicar o trabalho alienado e a origem da propriedade privada e das conexões de causa e efeito existentes entre ambos. Já não se está sob a égide da liberação do proletariado pela filosofia e da liberação da filosofia pelo proletariado. Ver citação de Marx (Fernandes, 1983, p. 159, 160 e 162). O trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria.

Marx continua Hegel, questionando-o. Ele mesmo diz isso no “Pósfácio à 2ª edição de O Capital”, em 1873: A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impediu de maneira alguma que ele apresentasse pela primeira vez suas formas gerais do movimento de modo amplo e consciente. Em Hegel, a dialética está de cabeça para baixo. Para que se descubra o núcleo racional no interior do invólucro místico, é necessário colocá-la de cabeça para cima (Fernandes, 1983, p. 429).

Marilena Chauí, em O que é Ideologia, ressalta a vinculação crítica de Marx a Hegel: Ora, enquanto os ideólogos alemães se contentam em ridicularizar o sistema hegeliano, permanecendo presos a ele sem o saber, Marx critica radicalmente o idealismo hegeliano e por isso pode conservar sem risco muitas das contribuições do pensamento de Hegel. E, entre outras coisas, Chauí nos mostra como Marx, da concepção hegeliana, conserva o conceito de dialética como movimento interno de produção da realidade cujo motor é a contradição (1980, p. 46); as diferenças entre abstrato/concreto, imediato/mediato, aparecer/ser, definindo, por exemplo, o concreto como unidade do diverso, síntese de muitas determinações (1980, p. 47); o conceito de alienação, tendo como referência as análises de Feuerbach sobre a alienação religiosa (1981, p. 54).
O primeiro texto em comum de Marx e Engels foi A Sagrada Família, cujo subtítulo é: Crítica de uma Crítica crítica, fruto de uma polêmica com Bruno Bauer, em que analisa as consequências políticas do neo-hegelianismo. Em lugar do isolamento do Espírito diante das massas, Marx e Engels preconizavam um amplo entrosamento da teoria com os proletários, pois diziam, nada é mais ridículo do que uma ideia isolada de interesses concretos (Cf. Gianotti, 2005, p. 11-12). Marx é expulso do território francês (1845) e se refugia em Bruxelas. Nesse novo exílio publica com Engels a Ideologia Alemã, um balanço de suas concepções filosóficas, onde a ruptura com Feuerbach ocupa o lugar mais importante. O livro não encontrou editor e ficou abandonado à crítica roedora dos ratos, mas deu aos autores uma visão mais clara dos problemas levantados; só foi publicado em 1926, dois anos depois da morte de Lênin. É desse período (1845) as Teses sobre Feuerbach, que só foram publicadas posteriormente por Engels, em 1888, como apêndice à edição da sua obra Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica.
É de 1846 a “Carta a Annenkow” e de 1847 Miséria da Filosofia, nos quais Marx critica o livro de Proudhon, Filosofia da Miséria (1846). Pierre Joseph Proudhon (1809-1865), economista e sociólogo francês; um dos fundadores do anarquismo. Ao criticar a grande propriedade capitalista, Proudhon defendia a pequena propriedade privada, propunha organizar o Banco do Povo e o Banco do Câmbio, com ajuda dos quais obteriam os operários seus próprios meios de produção, se converteriam em artesãos e assegurariam a venda equitativa de seus produtos. Proudhon não defendia o papel histórico e o significado do proletariado e negava a luta de classes, a revolução proletária e a ditadura do proletariado. Como anarquista, negava, também, a necessidade do Estado. Marx e Engels mantiveram uma luta intensa contra as tentativas de Proudhon de impor suas ideias à I Internacional. Marx denominava Proudhon de “socialista conservador ou burguês”, no Manifesto; e “como o filósofo, o economista da pequena burguesia”, na “Carta”. Engels, em seu texto “Do socialismo utópico ao socialismo científico” apresenta as limitações da crítica do socialismo utópico (Ver Fernandes, 1983, p. 408).

A Carta a Annenkow conta entre os escritos mais divulgados de Marx e uma peça-chave na gênese do materialismo histórico. Nela está, em germe, a Miséria da Filosofia; ela reflete, quanto aos temas, a linguagem e as preocupações centrais do autor, nesse momento. A densidade, a vivacidade e a crueldade no ataque a Proudhon e a seu livro, lhe dá o caráter de uma das realizações mais vigorosas e atraentes de Marx no gênero epistolar. Os principais temas/problemas levantados contra Proudhon nos Manuscritos de 1844 e na Ideologia Alemã (“o que é a sociedade”; “a importância de certos processos histórico-sociais, como a divisão social do trabalho”; “o maquinismo”; “a evolução da propriedade”; “a desagregação da sociedade feudal”; “o aparecimento do capital e da burguesia”; “a formação da sociedade burguesa”; “a natureza da história”; “a compreensão da dialética e do significado de Hegel”; etc.) são encontrados na carta com vigor e acuidade. A carta é mais forte e arrasadora que o livro, desnudando aquele tipo de pequeno-burguês. Ela permite visualizar como Marx converteu a crítica da especulação filosófica sobre a propriedade em explicação histórica científica das condições e relações objetivas de propriedade (Cf. Fernandes, 1983, p. 129-130). E, à medida que critica Proudhon, Marx expõe as principais categorias que constituem o materialismo histórico, como, por exemplo: o desenvolvimento histórico da humanidade (p. 432); a divisão social do trabalho (p. 434); c). a ideia de liberdade (p. 436); as relações sociais de produção (438).

Em Bruxelas, Marx continuou a ocupar-se de política. As condições eram favoráveis, pois a Europa estava sendo sacudida por movimentos sociais. Hobsbawm, em seu livro A Era das Revoluções: 1789-1848, diz que houve três ondas revolucionárias principais no mundo ocidental, entre 1815 e 1848. A primeira ocorreu em 1820-1824 e atingiu principalmente os Estados do Mediterrâneo: a Espanha (1820), Nápoles (1821) e a Grécia (1821). Enquanto isso, na América Latina, os países vão conquistando a independência em suas lutas de Libertação: a grande Colômbia (incluindo Venezuela e Equador), a Argentina, o Chile, o Peru. O Brasil separou-se pacificamente de Portugal em 1822. A segunda onda revolucionária ocorreu em 1829-34 e afetou toda a Europa e oeste da Rússia. A derrubada dos Bourbon na França estimulou várias insurreições: em 1830, a Bélgica conquistou sua independência da Holanda; em 1830-31, a Polônia foi dominada após intensas operações militares; várias partes da Itália e da Alemanha estavam agitadas; abria-se um período de guerras na Espanha e em Portugal. Até mesmo a Grã-Bretanha, pelas tensões entre católicos e reformistas na Irlanda, viveu momentos de agitação. A onda revolucionária de 1930 foi um acontecimento mais sério que a de 1820; ela marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Ocidental. A classe governante dos próximos 50 anos será a “grande burguesia” de banqueiros, grandes industriais e, às vezes, altos funcionários civis, aceitos por uma aristocracia que se apagou ou que concordou em promover políticas primordialmente burguesas. 1830 determina também uma inovação ainda mais radical na política: o surgimento da classe operária como uma força política autoconsciente e independente na Grã-Bretanha e na França e dos movimentos nacionalistas em grande número de países da Europa. A terceira onda revolucionária, a de 1848, foi o produto da crise. Quase que simultaneamente, a revolução explodiu e venceu (temporariamente) na França, em toda a Itália, nos Estados alemães, na Suíça. De forma menos aguda, essa onda afetou a Espanha, a Dinamarca e a Romênia; teve sequelas na Irlanda, na Grécia e na Grã-Bretanha. No dizer de Hobsbawn, nunca houve nada tão próximo da revolução mundial com que sonhavam os insurretos do que esta conflagração espontânea e geral (...). O que em 1789 fora o levante de uma só nação era agora, assim parecia, “a primavera dos povos” de todo um continente (1982, p. 127-130).
Marx participava em Bruxelas da recém-fundada Liga dos Comunistas, que para ele representava a primeira tentativa de superar a contradição entre uma organização internacional e os agrupamentos nacionais em que se aglutinavam os operários. Foi para o segundo congresso da Liga que Marx e Engels prepararam o Manifesto Comunista. Ler as observações de Gianotti (2005, 12-13). Para Florestan Fernandes, o Manifesto é político no sentido mais restrito. Ele trata da própria base econômica e social da revolução burguesa e como esta se engata historicamente à revolução proletária. Seus temas fundamentais são: a formação das classes, as relações antagônicas das classes e a guerra civil, latente ou aberta, no interior da sociedade burguesa e que alimenta o crescimento do proletariado como força social revolucionária. O texto apresenta de maneira clara a unidade entre teoria e prática no materialismo histórico. Ele procura demonstrar que a revolução está incubada na sociedade, que ela tende a fortalecer-se com o desenvolvimento capitalista e que o proletariado é uma classe revolucionária que extinguirá as classes, a dominação de classe e o Estado. Portanto, o texto permite ao leitor tomar contato com o socialismo científico, a dimensão prática ou o lado político da teoria do materialismo histórico, tal como ele foi equacionado originariamente. O Manifesto é se destaca por sua exposição didática: é claro, conciso e aterrador. Composto de frases curtas, concatenadas em parágrafos compactos, ele possuía o conteúdo teórico necessário para satisfazer à vanguarda da Liga Comunista e podia ser lido, entendido e memorizado por qualquer operário europeu medianamente culto. Por outro lado, um texto compacto e que inspira paixões políticas candentes exige do leitor um trabalho metódico de leitura. Precisa ser lido várias vezes para ser estudado proveitosamente. Sua estrutura simples e didática favorece o agrupamento dos temas centrais. O roteiro da exposição é transparente pelos seus temas: o princípio geral da luta de classes; a caracterização da época histórica burguesa e da sociedade de classes montadas sobre o capital e o trabalho assalariado; a caracterização do “operário moderno”, dos proletários, das duas fases do desenvolvimento da classe, do que eles representam como força social negadora e revolucionária; a nova sociedade e as condições para o seu desenvolvimento. Dissolução do “velho” e formação do “novo” são processos concomitantes e compreendidos dialeticamente como os dois elementos centrais da revolução que abalava a Europa (Cf. Fernandes, 1983, p. 90 e 91).
Para Fernandes, as abordagens que tratam do pensamento de Marx e Engels, mesmo de autores reconhecidamente marxistas, põem ênfase nos aspectos intelectuais dessa evolução (a fase hegeliana, o neo-hegelianismo, o “humanismo realista” feuerbachiano, o contato com o socialismo francês, a economia política inglesa e o produto final: a elaboração por ambos do materialismo histórico e dialético) como uma forma intelectual de superação e de síntese. Fernandes questiona essa abordagem: relacioná-los com o movimento operário e socialista de uma perspectiva intelectualista não leva em conta o engajamento deles em uma ótica comunista da luta de classes, o qual tornou a concepção materialista e dialética primordialmente uma necessidade prática. Para ele, a revolução de que se tornaram porta-vozes e militantes não brotou das formas intelectuais da consciência e sim do próprio curso da história. Se o radicalismo de ambos lhes permitiu compreender essa revolução no seu íntimo e incorporá-la seu modo profundo de ser, de pensar e de agir, eles não a inventaram e nem a criaram; serviram-na. Eles refletiam no plano intelectual, político e ideológico, o que ocorria na sociedade real. (Cf. 1983, p. 17-18). Se se parte da “Contribuição à crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1844) e se chega ao prefácio da Contribuição à crítica da Economia Política (1859), passando-se pelo Manifesto Comunista (1848), verifica-se objetivamente como se constitui e se desenvolve a ciência social histórica, que não é um “epifenômeno da revolução burguesa”, mas uma manifestação viva e instrumental da revolução proletária em gestação histórica (idem, p. 19).
No ano de 1848, Marx desenvolveu intensas atividades políticas. O rei Leopoldo, da Bélgica, se contrapôs à agitação popular desse ano, dissolveu todo tipo de associação operária e perseguiu os exilados. Marx e sua esposa foram duramente tratados e expulsos de Bruxelas. Foram para Colônia, onde Marx fundou a Nova Gazeta Renana, em que propunha a aliança do proletariado e dos camponeses com a burguesia, numa soma de esforços para liquidar os restolhos do Antigo Regime ainda vigente na Alemanha. A vitória de seus adversários, porém, obrigou-o a exilar-se novamente. Fixa-se definitivamente em Londres. Aproveitou o recesso político para dedicar-se integralmente a seus estudos. Escreveu o 18 Brumário de Luís Bonaparte, em 1852, onde analisa o golpe de Estado de Napoleão III e o bonapartismo como uma forma de governo em que a burguesia se deixa levar quando se vê na emergência de uma crise. Sua situação financeira é das piores. Engels o socorria sistematicamente. Trabalhando árdua e sistematicamente, Marx passou a concentrar todos os seus esforços no projeto de uma crítica da Economia Política. Todos os dias, por volta das 9 horas, chegava ao Museu Britânico e abandonava-o às 7 da noite; muitas vezes continuava o trabalho madrugada adentro. Descanso, além dos períodos de estafa em que caía doente, só o tinha regularmente aos domingos, quando passeava com a família pelos prados de Hampstead (Gianotti, 2005, p. 14). Foi o período mais produtivo de sua vida; mas o público teve de esperar até 1867, quando da publicação do primeiro volume de O Capital, para ler um texto seu. Tão logo ressurgiram as lutas operárias, Marx voltou à cena, dedicando um tempo precioso a trabalhos de organização. A obra máxima de Marx ficou apenas no primeiro volume. O segundo, sobre a circulação de capitais (1885) e o terceiro sobre o processo capitalista em sua totalidade (1894), foram elaborados e publicados por Engels, a partir dos manuscritos deixados por Marx.

Um comentário:

Luiz Nogaroli disse...

Professor, boa tarde.

Não tenho certeza se a pergunta é pertinente, no entanto a mesma tem me intrigado, serei objetivo: é possível construir autonomia a partir de pressupostos ideológicos?

Obrigado por sua atenção.

Abraços,

Luiz Nogaroli