Na retrospectiva epistemológica a qual vimos traçando, diversos são os autores que enxergam na democratização do ensino a saída de parte dos problemas encontrados na missão de educar. Pierre Bourdieu com toda sua originalidade nos apresenta idéias que não vão contra a corrente democratizante, porém não vê nela a solução de todos os problemas da educação, voltando-se para a análise de estruturas do mundo social e suas influências na formação dos indivíduos.
Para o desenvolvimento de seu trabalho o autor considera necessário o diálogo entre as teorias dos diferentes pensadores, Bourdieu opta pela criação de uma metateoria que reúne o ponto de interseção de diferentes trabalhos, destacando a importância para a sociologia de estudos que mesclem as diferentes contribuições dadas pelos vários pensadores, tem-se a necessidade da integração e não o isolamento teórico, o qual geralmente era visto em estudos sociológicos.
Romper com o inteligível significa utilizar-se de específicos meios dispostos convenientemente a alcançarem sua finalidade é então que Bourdieu se volta para análises próprias encontrado na sociedade, dividida em classes, bases para seus estudos.
O ensaio sobre a influência da divisão social em classes leva-o a perceber tamanha influência essa exerce sobre o subjetivo de um ser, bem como atua nas relações de aprendizado dos agentes sociais. O posicionamento em uma determinada classe pode ser uma dos fatores responsáveis pela aproximação com a cultura, automaticamente, pelas diferenças de cultura acumulada por determinado indivíduo. Nas relações sociais se encontram parte dos motivos das disparidades educacionais e os porquês elas são mantidas por mais que atravessem diversas gerações:
Penso, por exemplo, na transmissão do capital cultural entre as gerações, um mecanismo de hereditariedade propriamente social que, graças à complexidade de sua lógica propriamente estatística, mascara-se sob as aparências da hereditariedade biológica. (Bourdieu, 40:1976)
Para análise das relações sociais nas quais a escolas estão envolvidas é preciso uma visão que contemple a individualidade característica de cada um de seus componentes, ou seja, o estudo dos caracteres dos vários “campos” que compõem a realidade, não somente considerando os resultados obtidos dos estudos dos “campos” mais influentes como únicos, pois os mesmos não se mostram como respostas da sociedade como um todo. É claro também que a posição ocupada dentro das relações sociais também influencia diretamente nas características individuais dos “campos”: “(...) por maior que seja sua autonomia relativa, cada um deve suas propriedades mais fundamentais à posição que ocupa no campo do poder (...)” (Bourdieu, 42:1976)
Há um campo, denominado de poder, nas relações uma vez que existem diferentes categorias de agentes envolvidos, alguns deles apresentam maiores soberanias e regalias, travando-se constantemente uma disputa pela posição dominante, a qual está geralmente ocupada pelos mais socialmente favorecidos. Na escola tal relação é percebida e reproduzida, tornando a instituição escola um mero aparelho reprodutor da situação social.
Dentro de sua obra Bourdieu trabalha com a criação de alguns conceitos. O conceito de habitus, “sinal incorporado de uma trajetória social” (Bourdieu,45:1976) serve para nos mostrar o quando o indivíduo interioriza o que se apresenta no exterior, em seu campo social. As ações dos agentes da sociedade nada mais são do que a adequação ao seu posicionamento social.
Inserido em um “campo” de trabalhos e produções científicas, Bourdieu volta sua análise social também para entender o campo social da pesquisa: inquietações, “pura” ciência, suas relações de força, monopólio, estratégias, lutas, interesses e lucros.
Bourdieu (1976, p 122) define o monopólio como sendo a “capacidade técnica e poder social; [...] capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade)”. Critica o fato de a um pesquisador tem a sua capacidade medida pela posição que ocupa na hierarquia das instituições, ou seja, se um pesquisador estiver em uma instituição relativamente pequena e sem muita expressão no campo científico, suas pesquisas muitas vezes não são valorizadas por julgarem sua capacidade pela instituição que o financiou.
Os pesquisadores a fim de serem reconhecidos buscam temas que terá chances de ser reconhecido como importante ou interessante. Como Burdieu (1976, p. 1254) trás, “a tendência dos pesquisadores a se concentrar nos problemas mais importantes se explica pelo fato de que uma contribuição ou descoberta concernente a essa questão traz um lucro simbólico mais importante.”
A autoridade sobre a o capital social assegura o poder sobre os mecanismos que constituem o campo de pesquisa, podendo ser posteriormente convertido em capital de outras espécies. Não sendo aceito pelos pares-concorrentes, que um cientista recorra à impressa cotidiana para divulgação de suas pesquisas, recebendo descrédito, pelo fato de o campo cientifico distinguir publicações e publicidade. Logo “a autoridade científica é, uma espécie particular de capital que pode ser acumulado, transmitido e até mesmo, em certas condições, reconvertido em outras espécies.” (BOURDIEU, 1976, p. 130)
O campo científico é definido pelas relações que as intuições e os protagonistas das pesquisas têm com o a distribuição de capital. Os assuntos escolhidos para as pesquisas Estão cada vez mais assuntos produtivos, ou ambiciosos, estando relacionado ao capital que será investido. “Com efeito, toda carreira se define fundamentalmente pela posição que ela ocupa na estrutura do sistema de carreira possível” (BOURDIEU, 1976, p. 136)
Estabelece que o campo científico é um lugar de batalhas desiguais entre os agentes de pesquisa e os detentores do capital, pois sem capital os cientistas não são capazes de se apropriarem de instrumentos de pesquisa disponíveis. “os interesses que os motivam e os meios que eles podem colocar em ação para satisfazê-los dependem estreitamente de sua posição no campo, isto é, de seu capital científico e do poder que eles lhes conferem sobre o campo da produção e circulação cientifica e sobre os lucros que produz.” (BOURDIEU, 1976, p.136)
As transformações no campo científico preenchem funções ideológicas por que universalizam as suas propriedades, sendo capaz de resolver todas as questões a ela conferidas cientificamente colocadas. Onde os cientistas buscam legitimar-se especificamente, ou seja, “matemática os matemáticos”, onde alguns instrumentos de pesquisa controlam e algumas vezes dominam aqueles que os utilizam.
A crença nos fundamentos da ciência é o principal fundamento das ciências. Onde as estratégias que exprimem ruptura dispõem uma falsa autonomia, sendo considerado como um falsa ciência que se destina a uma falsa consciência, a fim de manter uma ruptura categórica com classe dominante e suas demandas ideológicas e qualquer tentativa não prevista é considerada absurda por parte doas adversários e cúmplices da ciência.
Apresentou-se a idéia de habitus, e discute-se socialmente a idéia de habitus. As classes sociais e suas posições na sociedade representam os diferentes estilos de vida, isto é, o resultado do habitus. Ele conduz a ação, as práticas possibilitando a liberdade dos indivíduos. O habitus é o produto das relações sociais, por isso, ele garante a imortalidade das condições que o fez surgir.
O gosto, propensão e aptidão à apropriação material e simbólica de uma determinada categoria de objetivos ou práticas classificadas e classificadoras, é a fórmula generativa que está no princípio do estilo de vida. O estilo de vida é um diagrama unitário de diferentes preferências, na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos, mobília, vestimentas, linguagem ou héxis corporal, a mesma intenção expressiva, um princípio da unidade de estilo.
Nota-se que o estilo pessoal é produto de uma época, de uma classe ou de um grupo social. Bourdieu faz comparações como: Bar e lar, que simboliza todo um aspecto da oposição entre classes populares e a pequena burguesia, oposição entre champanhe e uísque condensa o que separa a burguesia tradicional e a nova burguesia, cada dimensão de estilo de vidas simboliza todas as outras. A diferença no estilo de vida reside nas variações da distância com o mundo, de suas pressões materiais e urgências: a classe pobre, a dos operários, investe em bens de primeira necessidade e optam por roupa de corte clássico.
Enquanto as classes médias, desprendidas da urgência, quer dizer necessidade, preferem ambientes quentes, íntimo confortável e uso de roupas estilosas, a elite tem uma visão natural de todo isto e necessitam consumir cada vez mais. Os opostos vaiam conforme as distribuições de classes: o que é necessário para um é fútil para a outra.
Quanto mais distante do mundo da necessidade, mais requintado serão o gosto e o estilo. As disposições exigidas pelo consumo de obras legítimas é o que mais diferencia as classes. Como exemplo: identificar se a obra é verdadeira ou falsa, se é do “camelô”. A informação possibilita essas diferenciações. “Escada que era objeto e arte (era uma instalação) e foi levada para o depósito por um funcionário da exposição. Mas não se trata de incompetência, mas de adesão a valores diferentes”.
Gostos pelas histórias e pelos melodramas com intrigas lógicas chamam muito a sua atenção. O que separa as classes é a competência específica, que é uma das condições do consumo de bens de cultura legítimos. Verifica-se que a maioria das pessoas entrevistadas vê a cultura erudita como algo inacessível. Pois somente quem tem domínio do curso superior completo, desejam conhecer obras legítimas e isso tornou-se um atributo estatuário e não um privilégio. É quase uma necessidade para as pessoas, tanto que contribui para que a pessoa não se sinta rebaixada, esforça-se para parecê-lo.
Não há uma opinião contrária á comum: quanto maior a posição social mais a verdade do gosto dependem do ensino. Acontece que há divergência entre os títulos escolares e o gosto cultural. É a partir daí que surge a ideologia do “gosto natural” ou de “berço”: quanto maior o “gosto de berço” maior a legitimidade (infância) x conhecimento aprendido nos cursos.
Para Bourdieu, a democratização da educação vai além do fato de facilitar o acesso à escola. Dentro desta dinâmica que segrega opressores e oprimidos, dominantes e dominados, Bourdieu traz a reflexão a respeito do papel das instituições de ensino, alertando para o fato de que os professores não devem reproduzir as desigualdades muitas vezes tão latentes dentro das salas de aula onde há uma imensa diversidade de capitais, sejam eles econômicos ou culturais. Entender a lógica contemporânea das idéias de Bourdieu desperta nossos olhares não de uma maneira pessimista para a questão das desigualdades, mas para uma dimensão mais crítica sobre o papel da escola e do educador na busca pela democracia.
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