domingo, 26 de junho de 2011

A construção de um objeto de pesquisa: problematizando a interdisciplinaridade


A construção de um objeto de pesquisa: problematizando a interdisciplinaridade[1]

Zaia Brandão questiona a possibilidade de uma prática interdisciplinar sem o fundamento em uma sólida experiência disciplinar. Como base para discussão a autora utilizou sua própria experiência de construção em um objeto de pesquisa em História da Educação.
Fazendo uma critica acirrada a interdisciplinaridade no livro Pesquisa em Educação-conversas com pós-graduandos. Diferentemente do que temos observados na licenciatura em Pedagogia do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, onde a interdisciplinaridade, foi e será pano de fundo de conteúdos diversos. A autora relata que mesmo diante de inúmeros argumentos a favor da interdisciplinaridade, sua defesa é a prioridade do aprendizado e prática disciplinar no qual ela denomina de antídoto ao aligeiramento das práticas interdisciplinares.
Bourdieu (1990), a respeito da interdisciplinaridade, salienta a uma necessidade de um “cultura teórica” como uma espécie de capital cultural especifico que permite ao pesquisador ter um “panorama das posições cientificamente pertinentes num dado estágio da ciência”. É uma cultura teórica que garantiria opções teórico-metodológicas adequadas aos problemas específicos de pesquisa.
Para Brandão o apelo à interdisciplinaridade se deve a flexibilização das fronteiras nas áreas do conhecimento. A interdisciplinaridade pode promover maior entendimento do que está sendo pesquisado. Porém os usos do vocabulário, das referências e da literatura diversificados não asseguram uma prática interdisciplinar consistente. Esse apelo à interdisciplinaridade ao objeto de pesquisa, seja pelas exigências do próprio objeto ou pela flexibilização das fronteiras disciplinares, pode provocar a ausência de rigorosidade nas pesquisas.
Outros teóricos como Nosella & Buffa (2009) ressaltam a dificuldade encontradas por alguns pós-graduandos como a escassez de capital cultural, esses indivíduos sofrem as limitações inerentes ao contexto sócio econômico e cultural. O trabalho interdisciplinar defendido por Brandão transcreve Bourdieu (1989, 1990) exigiria uma ampla base disciplinar ancorada em uma cultura filosófica e teórica, cada vez mais rara entre as novas gerações de pesquisadores.
Problematizando as memórias na construção de sua pesquisa, que abordava os Pioneiros da Educação Nova como os pioneiros pela construção de um sistema público de ensino no Brasil, Brandão relata suas dificuldades para fundamentar as hipóteses iniciais, no qual levou a problematizar o percurso da historiografia no qual serviu de base. Essas hipóteses levantadas pela autora a incentivou a reanalisar o material coletado, sobre “movimento de modernização da educação”. Um dos questionamentos da autora era por que os educadores envolvidos no movimento da Escola Nova, e responsáveis pelos primeiros esforços de ampliação e organização da escola pública entre nós, vinham sendo transmutados pela literatura especializada de heróis em vilões?
De heróis a vilões (Historiografia da Educação à História), Brandão aborda que durante anos a memória dos signatários do Manifesto dos pioneiros da Escola Nova, foi cultuada, pois foram visto como responsáveis pela construção de um sistema publico de ensino no Brasil. Já na década de 80 ocorreu um reverso se tornaram vilões, acontecendo neste período a reflexão histórico filosófica de extração marxista no campo da educação, partindo da premissa sobe o caráter conservador da ideologia liberal, ao avaliar historicamente o processo de democratização da escola no Brasil.
Problematizando as memórias Brandão relata suas dificuldades para fundamentar as hipóteses iniciais, no qual levou a problematizar o percurso da historiografia no qual serviu de base.
As hipóteses como: a transmutação pela literatura especializada de sujeitos heróicos a vilões, a reprodução das criticas, ao movimento da Escola Nova e como trabalhar as diferentes memórias no processo de construção historiográfica.
A autora relata o que denominou de “mergulho disciplinar” gradativamente foi incorporando as dúvidas, imprecisões e as próprias ambigüidades ao estudo e pesquisa. Essa dificuldade entre o distanciamento da historiografia que a autora produzia, em relação à historiografia e as questões que mobilizavam os historiadores de ofício fez com que ela produzisse um mergulho disciplinar que  gradativamente foi incorporando as dúvidas, imprecisões e as próprias ambigüidades ao estudo e pesquisa.
As ideologias como influência: A prática profissional e a militância política segundo a autora era bem dividido a classificação dos movimentos educacionais, entre conservadores e progressista. Fica claro que neste período histórico o que é conservador era a manutenção da escola tradicional e o que progressista a Escola Nova e seu manifesto e os signatários do mesmo (Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova) na qual exigiam educação publica, gratuita e leiga para todos como responsabilidade do Estado.
Brandão segue relatando sobre a construção do objeto de pesquisa em História da Educação, contribuiu para aprofundar o processo de autocrítica. Sobre as condições que estavam sendo produzidas pesquisas no campo da História da Educação.
A autora indaga: ”estarão os nossos programas de pós-graduação aptos a fornecer às novas gerações de pesquisadores em educação a cultura teórica, de que fala Bourdieu, que garantiria a possibilidade de saltar as cercas quando as exigências desafiadoras do conhecimento exigirem ?
A teoria como hipótese dá como significados no campo cientifico, no questionamento numa certa tradição de verdade, que tendo a objetivação ou cristalização dos resultados da investigação científica.
O campo da educação pesquisa educacional, é largamente criticado, pois, tem a tendência a reproduzir “discursos sobre teorias”, ao invés de operar criticamente com as referências teóricas, e à progressão do conhecimento em educação, a doutora em pesquisa salienta, que não ocorre compatibilidade com as outras áreas das ciências humanas e sociais”. Entendemos que essa linha de pesquisa dentro do campo da História da Educação, não trabalha progressivamente o conhecimento em Educação e não faz uma comparação com outras áreas das ciências humanas e sociais.
A procura do estatuto científico, Brandão menciona que a partir da década de 70, “proliferaram as criticas ao positivismo implícito na suposição da objetividade dos ‘dados’ coletados pelos pesquisadores que modelavam suas pesquisas pela tradição das ciências da natureza no campo da educação”. Brandão  (p.66). A leitura que fazemos sobre o positivismo na pesquisa, é da macro História, ou seja a história contada pela ótica Eurocêntrica.
A procura da identidade científica, empobrecimento causado pela repetição das referências teóricas, entretanto ocorreu atos indesejáveis nos programas de pós-graduação, referentes ao avanço do conhecimento. A procura da hegemonia teórica, a autora ressalta o saldo positivo referente à proliferação dos programas de pós-graduação em educação, a luta pelo reconhecimento entre os pares da comunidade acadêmica e os conhecimentos produzidos pelos educadores.
A fala hegemônica no interior da comunidade especializada entende-se que é o acesso aos comitês de avaliação dos órgãos de financiamento, a constituição de um público consumidor, acesso privilegiado aos fóruns especializados, que garantem lugar cativo nas principais publicações técnicas e editoras. Leia se como capitais simbólicos dos grupos que detém a hegemonia teórica.
Consciência dos limites e o desprestígio da área, assim como para retardar a criação de uma massa crítica, ao nível das pós-graduações que viabilizasse a renovação dos parâmetros e estratégias de pesquisa.
Para Brandão ser competente significa ter uma razoável capacidade de estar antenado ao movimento e debates de muitas outras áreas. Os  programas de pós-graduação de ensino ( PPGE) têm sido um campo fértil para semeadura dos exclusivismo ou modismo teórico\metodológicos.
A teoria é, nesta ótica, sempre uma hipótese. O processo de fazer pesquisa dentro de um rigoroso programa de estudo das tradições de reflexão (clássicos no esquema), sobre o problema, questão ou tema em foco permite a familiarização com a linguagem, a lógica e a dinâmica geradas pelo processo de produção de conhecimento. Entendemos que a práxis nos possibilita o domínio na linguagem, da lógica e da dinâmica.


[1] Anotações do 5o encontro de 2011, do grupo de estudo e pesquisa Retalhos Epistemológicos. Conteúdo baseado em BRANDAO, Z. Pesquisa em educação: conversas com pós-graduandos. Rio de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2002.

sábado, 25 de junho de 2011

Reprodução prolongamentos críticos?


REPRODUÇÃO OU PROLONGAMENTOS CRÍTICOS?[1]

O autor Bernard Lahire relata em seu texto que Pierre Bourdieu representa um grande teórico no mundo da comunidade científica. Até mesmo pelas suas idéias complexas e ao mesmo tempo estimulantes. Para que suas teorias fiquem vivas, Lahire destaca que existem duas formas para mantê-las: uma delas é aplicá-las a novos campos de esforço intelectual;  e a segunda é de apenas repassar sem ao menos questioná-la; que no caso muitos o fazem são meros repetidores, ou seja, somente copiam de forma a não trazerem nada de novo.
Quando se trata de Bourdieu os sociólogos vão ao extremo, idolatram a obra dele,  de forma a não questioná-la virando apenas meros repetidores impossibilitando assim um real debate cientifico. Para que haja sim novas maneiras de expor a obra de Bourdieu é necessário que não fiquem no extremo de um lado os que idolatram a obra e do outro os que querem tirar proveito criticando sem ao menos saber o que é realmente sua obra para ficarem sendo “respeitado” e conhecido por criticar Bourdieu.  
Lahire faz críticas sobre estes pontos de vista quando cita sobre “a sociedade de Boudieu”, uma espécie de suicídio coletivo devido a falta de coerência de reproduzir ou criticar por criticar. Uma reflexão muito interessante sobre o habitus e o capital social característico que no decorrer será mais aprofundado. Para também entender sobre que gostar do autor não precisar ficar paralisado em sua teoria sem ao menos analisar profundamente o que o mesmo quer dizer ou o que de novo poderá ser contribuído para o estudo. Pois o pensamento científico só será mantido vivo se submetido constantemente a discussões. Na França, como Lahire descreve,  ficam congelados pois há muito pouco sobre argumentações dos sociólogos e contra-argumentação dos mesmos.

Pierre Bourdieu costumava expressar sua tristeza por ter ganhado no decorrer de sua carreira “inimigos” que o “atacavam” e poucos “adversários” verdadeiros que teriam realizado o trabalho necessário para lhe opor uma “impugnação”, o que é ao mesmo tempo verdadeiro e falso. É como grande parte dos pesquisadores em ciências sociais, ele se recusava a reconhecer esses adversários reduzindo-os a inimigos mal-intencionados. Assim, por causa de inúmeras críticas recebidas em sua obra, levou a pensar que outros pesquisadores não estavam a sua altura.
Além disso, quando uma crítica é formulada a respeito de uma obra não só reconhecida cientificamente, mas também conhecida muito além dos círculos de especialistas, a situação se complica. E, um modo de desqualificar o trabalho crítico consiste em quando alguém deseja “fazer seu nome por meio de uma polêmica como um autor famoso.”

Bernard Lahire relata que a crítica cientifica pode e deve exercer-se, se, e apenas se, houver argumentos (lógicos ou empíricos) para criticar. E tal concepção, no nosso entender, se faz coerente. Como toda produção tem suas intenções, vale lembrar que é muito “deselegante” da parte de um indivíduo fazer uma crítica a um terceiro, sem que tenha base ou fundamentos. E, não há como deixar de destacar que, existem “autores” que possuem obras de “linhas e pensamentos” diferentes. Desta maneira confunde-se então, crítica em disputa, tentativa de destruição e ou calúnia ao seu próximo.

Em suma, para o nosso processo de ensino-aprendizado, compreende-se que, precisamos ter uma consciência crítica dentro do campo, ter atitude para buscar novos conhecimentos, pensar, amadurecer na construção crítica e não devemos parar no tempo e sim construir novos “Habitus”.

A seguir destacamos alguns prolongamentos críticos da obra de Bourdieu, apontados no texto de Lahire. Estes prolongamentos criticos remetem a atitude que deve ser tomada em relação a pesquisa e levam em consideração dois dos principais conceitos de Bourdiu, a saber, habitus e campo.

Prolongamento I : A atitude diante do trabalho intelectual

A leitura obra de Pierre Bourdieu pode provocar uma série de atitudes que se manifestam constantemente em seus textos. Todas elas marcam a relação com o trabalho intelectual de um homem oriundo de um meio familiar social e geograficamente dominado, mas atitudes que, longe de serem redutíveis as suas origens, poderiam constituir uma ética da profissão de sociólogo:
1) sua insistência a respeito da relação pratica com a teoria, que o sociólogo deve manter. Toda ação pratica deve ter base teórica.
2) sua evocação permanente de uma ascese do trabalho cientifico da seriedade e do rigor na construção do objeto e da pesquisa.

Prolongamento crítico II: O habitus

Bourdieu relata o habitus no sentido de costume, raiz, experiência vivenciada no cotidiano da pessoa. Ou seja, é a bagagem de conhecimento e experiência que o indivíduo traz ao longo de sua vida. Um agricultor, por exemplo, mesmo não sendo alfabetizado entende muito de plantio e cuidados com a terra do que um pedreiro profissional, porque o habitus do agricultor esta marcado com o conhecimento habitual nas relações vivenciadas, na terra.

 O hábitus é um papel fundamental, pois surge em meios ao conceito inovador e apresenta um produto da história e interação do indivíduo. Segundo Bourdieu, o “hábitus” influencia de várias formas na vida do indivíduo tanto nos gostos no estilo de vida, na maneira de como as coisas são realizadas, enfim , na própria ação  do ser humano.

O habitus trabalha com as probabilidades e possibilidades de ação, é inconsciente e se expressa através de diversas formas, seja no estilo de vida, nos gostos, nas maneiras de fazer as coisas, ou seja, está na ação humana. Na verdade, ele abrange uma multiplicidade de relações e dentre elas a relação com a prática social. Bourdieu procura rejeitar as teorias que adotam a prática social como uma relação mecânica, a prática não pode ser reduzida a esquemas previamente estabelecidos e fixos. (Pies 1998, p.5)







Prolongamento crítico III: O campo

Elementos fundamentais da definições do campo segundo Bourdieu:
- Um campo é um microcosmo incluído no macrocosmo constituído pelo espaço social (nacional ) global.
- Cada campo possui regras do jogo e desafios específicos, irredutíveis as regras do jogo ou aos desafios dos outros campos.
- Um campo é um “sistema” ou um “espaço” estruturado de posições.
- Esse espaço é um espaço de lutas entre os diferentes agentes que ocupam diversas posições.
- As lutas dão se em torno da apropriação de um capital especifico do campo (o monopólio do capital especifico legitimo) e ou da redefinição daquele capital.
- O capital é desigualmente distribuído dentro do campo e existe, portanto, dominantes e dominados.
- A distribuição desigual do capital determina a estrutura do campo.
- Os interesses sociais são sempre específicos de cada campo e não se reduzem ao interesse de tipo econômico.
- A cada campo corresponde um habitus próprio do campo. Apenas quem tiver incorporado o habitus próprio do campo tem condição de jogar o jogo e de acreditar na importância desse jogo.
- Cada agente do campo é caracterizado por sua trajetória social, seu habitus e sua posição no campo.
- Um campo possui uma autonomia relativa: as lutas que nele ocorrem tem uma lógica interna, mas o seu resultado nas lutas (econômicas, sociais, políticas) externas ao campo pesa fortemente sobre a questão das relações de força internas.
Segundo o autor grande parte dos indivíduos de nossas sociedades, como as classes populares que, de saída, são excluídas dos campos de poder. Revela-se fora de campo, afundados num vasto “espaço social” cujo único eixo de estruturação é o volume e a estrutura do capital possuído, o capital cultural e capital econômico.

Para Boudieu a compreensão da obra de um autor famoso levanta problemas particulares quando comparada à compreensão de uma entrevista com um “leigo”, e isso “mais particularmente em razão de seu autor pertencer a um campo”(1992, p.418) Consequentemente a teoria dos campos constitui uma maneira de responder a uma serie de problemas científicos, mas por sua vez, pode constituir um obstáculo ao conhecimento do mundo social.

O autor conclui que o verdadeiro respeito cientifico para com uma obra e seu autor consiste na discussão e na avaliação rigorosas e não na repetição sem fim dos conceitos, tiques de linguagem, estilo de escrita, raciocínios preestabelecidos etc. É preciso saber acordar alguns usos adormecidos desses conceitos, é preciso ousar levantar certas questões, autorizar-se a contradizer, refutar, complementar, matizar o pensamento de um autor. Nem rejeição brutal nem repetição de epígono, mas dívidas e críticas.. 

Em suma, para o nosso processo de ensino-aprendizado, compreende-se que, precisamos ter uma consciência crítica dentro do campo, ter atitude para buscar novos conhecimentos, pensar, amadurecer na construção crítica e não devemos parar no tempo e sim construir novos “Habitus”.




[1] Anotações do 3o encontro de 2011, do grupo de estudo Epistemologia e Educação. Conteúdo baseado em LAHIRE, B. Reprodução ou prolongamentos críticos? Educacaçao e Sociedade, v. 23, n. 78, p. 37-55. Campinas, abr. 2002.

Universidade: responsabilidade social e democratização do ensino


Universidade: responsabilidade social e democratização do ensino
Um pouco de história
O modelo de universidade tal como conhecemos tem sua origem na Baixa Idade Média e remonta aos grandes debates filosóficos do conhecimento universal. Na perspectiva de Trindade (1998) é possível vislumbrar quatro períodos básicos da história da universidade.
O primeiro período é o do século XII até o Renascimento, que conhecemos como da invenção da universidade tradicional em plena Idade Média. Tal modelo é ilustrado na cinegrafia em filmes, como por exemplo, “Em nome de Deus”, “Lutero” e na série “Harry Potter”, onde os debates e confrontos de Idéias eram bem freqüentes.
O segundo período começa no século XV, se caracteriza por seguidos impactos devido aos avanços comerciais do capitalismo e do humanismo literário e artístico florescente na Itália. A Universidade, neste período, foi influenciada também pelos efeitos da Reforma e da Contra- Reforma.
As descobertas que seguem ao século XVII, no campo das ciências e dos saberes em geral trazem o espírito iluminista (Séc. XVIII) para dentro da Universidade baseado no espírito crítico, na liberdade e tolerância religiosa.
Por sua vez, A Revolução industrial Francesa gerará junto ao contratualismo e ao Estado como Poder máximo, a institucionalização dessa Instituição moldando um tipo de ciência que só se desenvolverá plenamente no século XIX. O quarto período que Trindade chama de Moderno: “[...] começa no século XIX e chega aos nossos dias, introduzindo uma nova relação entre Estado e Universidade, permitindo que se configurem as principais variantes padrões das universidades atuais” (1998, p. 6).
Na América Latina até fins do século XVII, existe uma rede de 12 instituições de norte a sul do continente. A primeira é de, em Santo Domingo (1538), Córdoba, na Argentina (1613) Universidade de Salamanca, e a Universidade de Alcalá, (atual Complutense), e até fins do século; todas seguindo uma linha tradicional ligadas ao ensino da teologia, leis, artes e medicina.
No Brasil, a universidade se institucionaliza apenas no nosso século, mas quando da transferência da Corte para o Brasil, cria o primeiro curso de cirurgia, anatomia e obstetrícia (IBDM, p. 7). A chamada “universidade temporã” se organiza após a década de 20 como cita Anísio Teixeira (1989, p. 98): “[...] o Brasil esteve fora do processo universitário quando o tema principal do debate, na século XIX, era “a nova universidade, devotada à pesquisa e à ciência”.

Responsabilidade social e democratização do ensino
Temos como responsabilidade social e a democratização do ensino representam um compromisso contínuo nas universidades, sejam elas públicas ou privadas, e ocupam um papel relevante na tomada de decisão em favor da construção de uma nova consciência global. Esta postura caracteriza-se pelos constantes compromissos e cooperações que o ensino superior no contexto latino-americano e nos países emergentes vem desenvolvendo nestas últimas décadas em favor das camadas menos privilegiadas da sociedade como um todo.
Pedro Goergen (2003) ao tecer considerações sobre a função social da universidade, nos chama a atenção de que estes temas não devem caracterizar apenas as tarefas que já cabem a universidade realizar, pois as ações de ensino, pesquisa e extensão, como afirma Goergen, já são encargos do fazer universitário. Desta forma, cabe a universidade inserir em seus encargos a tarefa da “formação”, não como mais um item, mas como um conceito assumido nas ações do fazer universitário. Nesse sentido cabe a universidade num modo mais amplo cumprir uma função de socialização do conhecimento desde que este tenha uma configuração social que se transforme em um fator decisivo no processo de hominização e de modo peculiar da humanização do ser humano.
Dias Sobrinho (2005) faz sua avaliação sobre o papel social da universidade, enquanto formadora de cidadãos, compreendendo que para tratar da universidade, da sociedade e da democracia é preciso considerar e refletir sobre o processo de globalização, sem o qual não será possível obter um entendimento amplamente aceitável sobre qualquer um desses temas.
Neste sentido, o autor aponta que não há consensos razoáveis sobre a relação estabelecida entre a universidade e a sociedade do mundo globalizado e qualquer análise realizada, não poderá separá-la desse contexto mundial, nem muito menos da complexa e contraditória sociedade a qual a instituição universitária faz parte.
Nada em nosso tempo pode ser pensado sem que sejam levadas em conta as características atuais da globalização. Tendo em vista que os esquemas simples de compreensão da realidade social são insuficientes para dar conta da complexidade e da pluralidade de sentidos dos fenômenos humanos, especialmente com a fragmentação e a multiplicação dos conhecimentos, das informações e dos intercâmbios, já não se pode pensar que uma instituição central da sociedade, radicalmente ligada às mudanças do mundo, como é o caso da universidade, possa ser explicada a partir de uma única idéia ou de um só princípio interno. (DIAS SOBRINHO, 2005, p.164)

E, com relação à questão da formação da cidadania o autor considera que novos sentidos têm sido introduzidos, não sendo apropriado depreciar nem os valores que geram a obtenção da cidadania democrática, nem os da capacitação que geram a inovação e as mudanças tecnológicas, pois entende-se que a formação poderá focar tanto as questões de interesse público, quanto as que atendam aos interesses do mercado tecnológico e altamente competitivo.
O conhecimento e a formação devem cumprir os requisitos universais, devem ser relevantes para o contexto regional e nacional - global e internacional e devem servir ao desenvolvimento econômico, porém como um instrumento da humanização e não como horizonte último e razão determinante da sociedade. Sendo assim, o conhecimento e a formação devem gerar cidadania e princípios éticos, ao se contrapor às possíveis assimetrias geradas nas esferas econômicas, sociais e culturais. Devem ainda, promover uma integração na vida democrática, embasada por leis de interesse geral que assegurem o exercício da cidadania pública e que sustente as instituições sociais. Logo, a formação promovida pela educação superior não deve subestimar a ética e a técnica, devendo sim ser responsável pela elevação e ampliação da sociedade e da democratização política e econômica, consolidando assim a democracia. (DIAS SOBRINHO, 2005)
Dias Sobrinho (2005) se refere ao papel da responsabilidade social na educação superior, ponderando que não há por que rejeitar os progressos materiais quando eles são fundamentados na produção de sentidos, na ética da justiça social, das políticas de maior inclusão e da mais ampla participação dos cidadãos na vida pública:
...a responsabilidade social da educação superior deve significar relevância científica e pertinência, fortalecimento da vida democrática e da justiça social, aprofundamento da ética e do sentido estético da sociedade. O sentido essencial da responsabilidade social da educação superior consiste em produzir e socializar conhecimentos que tenham não só mérito científico, mas também valor social e formativo. Portanto, que sejam importantes para o desenvolvimento econômico que tenha sentido de cidadania pública. (DIAS SOBRINHO, 2005, p.)

Segundo avaliação do autor, a realidade das transformações globais impõe a produção de novas visões e de novos papéis da educação superior, bem como suas relações com a sociedade civil e com o Estado, essas relações sinalizam para a necessidade de construções de reformas que propiciarão o desenvolvimento econômico e que, sobretudo, venham a ser fundamentais na verdadeira vida democrática. A globalização faz com que a universidade se foque na promoção de uma formação que atenda às demandas profissionais diferenciadas exigidas por uma sociedade industrializada e que espera das instituições universitárias o exercício do papel estratégico na construção de uma sociedade democrática, na qual deverá essencialmente, produzir conhecimento e formar cidadãos com valores sociais. (DIAS SOBRINHO, 2005)
A função social e a democratização do ensino superior consiste em desenvolver o processo de socialização dos conhecimentos numa perspectiva de estabelecer a interação com o meio na qual encontra-se inserida. No intuito de promover o desenvolvimento e a inclusão social daqueles que em virtude de uma ideologia cujos valores estão impregnados do individualismo, da competitividade e da falta de solidariedade. Assim, entende-se que a universidade, enquanto incubadora de novos conhecimentos, alicerçada no paradigma científico, ocupa um papel decisório na formação da cidadania.
As instituições de ensino superior devem desenvolver políticas que reflitam as necessidades do homem contemporâneo, ao invés de serem meras reprodutoras do status quo e da aceitação passiva e alienante das ideologias dominantes. Partindo do princípio de que há uma consciência que existe desigualdade social, isto requer um posicionamento das instituições, dentre elas, a universidade em desenvolver projetos que atendam o clamor dos excluídos, em vista da dignidade e da valorização da pessoa.
No entanto, tais ações não possuem um caráter somente filantrópico, mas acima de tudo colocar os conhecimentos, a episteme a disposição da sociedade como um todo. Para tanto, a função social do ensino superior possui um caráter dinâmico e ético, pois está alicerçada a uma epistemologia e os aspectos antropológicos que compõe os diferentes grupos sociais.
A tríade ensino, pesquisa e extensão – constituem-se nos principais alicerces para a universidade desenvolver ações sociais que valorizam o humano e justificam a necessidade do sujeito percebe-se como alguém responsável também por estar e participar no contexto social sem olvidar-se do conceito da formação como sua função precípua.
As conseqüências desta perspectiva tendem possibilitar uma conduta ética e de responsabilidade social e democratização do ensino às instituições de ensino no que tange ao aprimoramento das suas ações voltadas efetivamente para o comprometimento das causas sociais. Pois, quando imbuídas desta consciência, a tendência é aumentar ainda mais a propagação do compromisso ético e moral, bem como a transformação social, a consciência crítica, a valorização humana e a interação entre universidade e sociedade.
Desta forma é imprescindível às universidades a ruptura com o cientificismo e a razão instrumental a qual contribuía para o processo de coisificação do homem, pela inserção de uma sensibilidade social, de cunho cada vez mais sistêmico, o que deve impulsionar a uma tomada de decisão frente às questões sociais.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Anísio Teixeira

Anísio Teixeira


1- Percurso histórico de Anísio Teixeira

Anísio Teixeira é considerado uma figura de transição na história da educação, pois era de um período onde não havia academia institucionalizada (atuava na produção de literatura, lecionando, na direção de instancias reguladoras da educação, etc.)

Anísio Spinola Teixeira nasceu em Caetité, á época um importante centro político do sudoeste baiano, em 12 de Julho de 1900. Filho de uma família de Fazendeiros, durante seu percurso de vida foi uma pessoa de respeito pelos projetos realizados. Seus estudos iniciaram-se em colégios jesuítas em sua cidade natal e em Salvador.
1922 – formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais no Rio de Janeiro
1924 – foi nomeado inspetor geral do Ensino do Estado da Bahia.
1925 – viaja para Europa onde observa o sistema educacional de diversos países.
1927 – vai aos Estados Unidos, onde trava conhecimento com as idéias do filosofo e pedagogo John Dewey que muito vão influenciar seu pensamento.
1928 – fez sua pós-graduação na Universidade de Columbia, em Nova York, onde conheceu o pedagogo John Dewey. Retorna ao Brasil e traduz para o português dois trabalhos de Dewey.
1931 – foi nomeado secretario de Educação do Rio de Janeiro, cria uma rede municipal de ensino completa que vai da escola primaria até a universidade.
1932 – participa do manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, tendo publicado neste período duas obras sobre a Educação que junto a suas realizações, deram-lhe projeção nacional. Nesta época havia outros projetos de educação, de caráter nacionalista, como por exemplo: Francisco Campos, a Igreja Católica, as Forças Armadas
Em abril de 1935 completou a montagem da rede de ensino do Rio com a criação da Universidade do Distrito Federal (UDF), que mudou o ensino superior brasileiro, mas ela foi extinta em 1939, durante o Estado Novo. Ainda no ano de 1935, perseguido pelo governo de Getulio Vargas, Anísio refugiou-se em sua cidade natal, onde viveu até 1945.
1935 á 1945 não atuou na área educacional e se tornou empresário na extração de minério no Amapá. Aproxima-se do seu amigo Monteiro Lobato e juntos publicam Educação para a Democracia, além de realizar diversas traduções.
1946 – ele assumiu o cargo de Conselheiro da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciências e Cultura (UNESCO)
1947 – retorna ao Brasil com o fim do Estado Novo e toma posse da Secretaria de Educação de seu Estado Bahia.
1950 – inaugura o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, a Escola Parque.
1951 – assumiu o cargo de secretário-geral da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (CAPES).
1952 – assume como diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), onde ficou até 1964. Nesta época o INEP tinha autonomia e dinheiro.
Anísio foi um dos idealizadores da Universidade de Brasília (UnB), fundada em 1961, entregou a Darcy Ribeiro, que considerava como seu sucessor, a condução do projeto da universidade.
1963 – tornou-se reitor da UnB.
1964 – foi afastado do cargo por causa do golpe de estado. Foi para os Estados Unidos, lecionar nas universidades de Columbia e da Califórnia.
1965 – retorna para o Brasil.
1966 – tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Faleceu em 11 de março de 1971, de modo misterioso. Seu corpo foi encontrado no poço do elevador de um edifício no começo da Avenida Rui Barbosa, no Rio. A policia considerou a morte acidental, mas a família do educador suspeita de que ele possa ter sido vitima da repressão do governo do general Emílio Garrastazu Medici.

Em sua cidade natal, Caetité, está a fundação Anísio Teixeira, presidida por sua filha Anna Cristina Teixeira Monteiro de Barros, com o apoio governamental e da iniciativa privada, a Casa Anísio Teixeira, com biblioteca, museu, cine-teatro e biblioteca móvel, levando o conhecimento e mantém viva a memória do grande educador brasileiro sendo objeto de muitas reportagens em todas as mídias.

No Rio de Janeiro existe o Centro Educacional Anísio Teixeira, escola privada de ensino fundamental e ensino médio, com proposta pedagógica segundo as idéias do educador.


2- A Educação Escolar no Brasil

No texto “A Educação Escolar no Brasil”, Anísio Teixeira fala sobre o modelo de escola da época e expressa sua opinião de como o mesmo deveria ser realizado. Ele explicita o quão pouco satisfatório era a situação educacional brasileira à sua época. Afirma que “... a educação está em permanente transformação, não só em virtude de conhecimentos novos, como em virtude de mudanças decorrentes de própria dinâmica da sociedade” (TEIXEIRA, p. 388).


2.1 Escola Primaria

Anísio Teixeira critica o fato de as escolas não estarem desempenhando sua função democrática, que, de acordo sua proposta, é “a de ministrar uma cultura básica ao povo brasileiro.” (TEIXEIRA, p. 389). Ele acusa o modelo seletivo que as escolas adotavam na época, em que alunos que eram capazes ou “destinados” a prosseguir e que se adaptavam ao ensino cursariam os níveis pós-primários, caso contrário permaneceriam na escola primária ou seriam excluídos.

Teixeira denuncia ainda as conseqüências de desordem na educação, casadas pelo fato de as escolas aceitarem alunos de 7 a 14 anos na primeira série, e a organização seletiva, tornando o ensino de caráter informativo. Ele acreditava que se a escola limitasse as matriculas por idade, poderiam fazer com o ensino atendesse aos interesses, gostos e aptidões de cada idade e serie. “Numa tal escola está claro, nada mais se faz do que adestrar os meninos numa alfabetização sumaria e, depois, treiná-los para os exames de mínimos conhecimentos formais.” (TEIXEIRA, p. 390-391).

Imaginava a escola primária como um local de atividades adequadas, dentro de três setores sendo eles:

• Do jogo, recreação e educação social e física.
• Do trabalho.
• Do estudo

Teixeira ainda propunha uma adequação na arquitetura da escola primária, a fim de se adequarem aos três setores propostas. Assim, tendo em vista um ensino integral, as edificações escolares, deveriam ter: ginásio, auditório, salas de música e de dança para atividades como jogo, esportes artísticas e sociais, pavilhões de arte industrial, bibliotecas e os demais espaços que uma escola integral deve contemplar.

Sendo “a idade o elemento fundamental de graduação e classificação.” (TEIXEIRA, p. 393), devendo ser formado grupos de duas idades para cada serie, iniciado aos 7/8 anos na primeira série e terminando aos 12/13 na sexta série, deixando a escola de ser seletiva e passando a ser formadora e educativa.



2.2 - Ensino Médio

Teixeira fala do ensino médio como sendo “a entrada definitiva no reino de educação seletiva”(pág. 394), onde vigora o “formalismo mas estrito e por verdadeira inflexibilidade de organização” (pág. 394). No ensino médio é estabelecido o ensino superior e o de caráter profissional, onde é estabelecida equivalência dos estudos. Sendo que os cursos profissionalizantes são mais procurados do que os cursos do colegiado. Teixeira acreditava que isso acontecia pelo fato de os cursos profissionalizantes serem mais práticos do que teóricos, diferente do colegiado. O ensino médio, diferente das séries iniciais (escola primaria), graduava praticamente todos os seus alunos.

Anísio compara a educação norte americana como a brasileira, e observa que nos EUA as pessoas procuravam por mais educação; diferente do Brasil, que pela dificuldade encontrada pelas pessoas para continuar seus estudos, deixavam a educação e o processo de construção de conhecimento e crescimento cultural de lado. Ele observa ainda que, no Brasil, aqueles prosseguiam nos estudos era a fim de obterem ascensão social através do diploma. O que Teixeira criticava “Com efeito, a educação é um processo de estabilidade social e apenas secundariamente de ascensão social.” (pág. 396). Afirma também que as funções da escola devem ser cumpridas sem se prejudicarem, onde de acordo com Teixeira “a escola facilita que os mais capazes de cada classe passem à classe seguinte.”(pág. 396).

Em todo o texto Teixeira afirma a importância da educação, coloca que “não há nível de vida em que dela não precisamos para fazer bem o que teremos sempre de fazer”(pág. 397).


2.3 - Custos da Educação

No texto “A educação escolar no Brasil” o autor coloca a real situação da educação na época, onde se caracterizava como uma educação de elite, “a educação não atingir senão os filhos de pais em boa situação econômica na sociedade.”(Teixeira, pág 398). Sendo necessário, na época, uma reconstrução do ensino brasileiro, a fim de assegurar estabilidade e o progresso, no intuito de atingir não apenas uma elite, mas sim todo um povo que passava por um vigoroso processo de mudança de civilização como afirma Teixeira.

Antes o sistema de ensino secundário era particular, considerado como cópia do sistema francês, seguido das escolas profissionalizantes, que eram públicas e gratuitas, não sendo percebido pela sociedade brasileira a importância de expandir o ensino secundário e a graduação para as camadas em ascensão.

Havia na época uma distinção, onde para as elites existiam escolas secundárias particulares, seguida de uma graduação pública e gratuita podendo ser alcançada apenas pelas classes mais altas; estas escolas, na sua grande maioria se concentravam nos grandes centros urbanos da época.

O texto faz comparação entre o investimento de 1948 e 1956 como mostra o quadro abaixo:

Nível de Ensino       Investimento 1948         Investimento 1956
Ensino elementar         60,3%                            43,2%
Ensino Médio             27,3%                            30,8%
Ensino Superior          12,4%                            26%

O quadro mostra que havia uma preocupação com as elites do país, onde diminuía o investimento em escolas primarias e aumentava em escolas superiores, sendo que os filhos da alta sociedade obtinham sua educação através dos cofres públicos. Com o intuito de manter o status das elites. Destaca-se no quadro o crescimento no investimento para a educação superior.

Pode-se concluir que na época citada pelo texto de Anísio Teixeira o ensino era pouco satisfatório, atendendo apenas as elites, e formando mão de obra para a nova sociedade. “Os nossos deveres para com o povo brasileiro estão a exigir que demos primeiro a educação adequada às classes populares, a fim de lhes aumentar a produtividade e com ela o seu nível de vida” (Teixeira pág. 411). Devendo haver uma mudança na educação para que a mesma seja adequada e justa, não apenas elitista, com o objetivo de alcançar um progresso real e não ilusório, como vinha sendo, mudando a perspectiva para uma educação para a sociedade.

Pierre Bourdieu

Na retrospectiva epistemológica a qual vimos traçando, diversos são os autores que enxergam na democratização do ensino a saída de parte dos problemas encontrados na missão de educar. Pierre Bourdieu com toda sua originalidade nos apresenta idéias que não vão contra a corrente democratizante, porém não vê nela a solução de todos os problemas da educação, voltando-se para a análise de estruturas do mundo social e suas influências na formação dos indivíduos.


Para o desenvolvimento de seu trabalho o autor considera necessário o diálogo entre as teorias dos diferentes pensadores, Bourdieu opta pela criação de uma metateoria que reúne o ponto de interseção de diferentes trabalhos, destacando a importância para a sociologia de estudos que mesclem as diferentes contribuições dadas pelos vários pensadores, tem-se a necessidade da integração e não o isolamento teórico, o qual geralmente era visto em estudos sociológicos.

Romper com o inteligível significa utilizar-se de específicos meios dispostos convenientemente a alcançarem sua finalidade é então que Bourdieu se volta para análises próprias encontrado na sociedade, dividida em classes, bases para seus estudos.

O ensaio sobre a influência da divisão social em classes leva-o a perceber tamanha influência essa exerce sobre o subjetivo de um ser, bem como atua nas relações de aprendizado dos agentes sociais. O posicionamento em uma determinada classe pode ser uma dos fatores responsáveis pela aproximação com a cultura, automaticamente, pelas diferenças de cultura acumulada por determinado indivíduo. Nas relações sociais se encontram parte dos motivos das disparidades educacionais e os porquês elas são mantidas por mais que atravessem diversas gerações:

Penso, por exemplo, na transmissão do capital cultural entre as gerações, um mecanismo de hereditariedade propriamente social que, graças à complexidade de sua lógica propriamente estatística, mascara-se sob as aparências da hereditariedade biológica. (Bourdieu, 40:1976)



Para análise das relações sociais nas quais a escolas estão envolvidas é preciso uma visão que contemple a individualidade característica de cada um de seus componentes, ou seja, o estudo dos caracteres dos vários “campos” que compõem a realidade, não somente considerando os resultados obtidos dos estudos dos “campos” mais influentes como únicos, pois os mesmos não se mostram como respostas da sociedade como um todo. É claro também que a posição ocupada dentro das relações sociais também influencia diretamente nas características individuais dos “campos”: “(...) por maior que seja sua autonomia relativa, cada um deve suas propriedades mais fundamentais à posição que ocupa no campo do poder (...)” (Bourdieu, 42:1976)

Há um campo, denominado de poder, nas relações uma vez que existem diferentes categorias de agentes envolvidos, alguns deles apresentam maiores soberanias e regalias, travando-se constantemente uma disputa pela posição dominante, a qual está geralmente ocupada pelos mais socialmente favorecidos. Na escola tal relação é percebida e reproduzida, tornando a instituição escola um mero aparelho reprodutor da situação social.

Dentro de sua obra Bourdieu trabalha com a criação de alguns conceitos. O conceito de habitus, “sinal incorporado de uma trajetória social” (Bourdieu,45:1976) serve para nos mostrar o quando o indivíduo interioriza o que se apresenta no exterior, em seu campo social. As ações dos agentes da sociedade nada mais são do que a adequação ao seu posicionamento social.

Inserido em um “campo” de trabalhos e produções científicas, Bourdieu volta sua análise social também para entender o campo social da pesquisa: inquietações, “pura” ciência, suas relações de força, monopólio, estratégias, lutas, interesses e lucros.

Bourdieu (1976, p 122) define o monopólio como sendo a “capacidade técnica e poder social; [...] capacidade de falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade)”. Critica o fato de a um pesquisador tem a sua capacidade medida pela posição que ocupa na hierarquia das instituições, ou seja, se um pesquisador estiver em uma instituição relativamente pequena e sem muita expressão no campo científico, suas pesquisas muitas vezes não são valorizadas por julgarem sua capacidade pela instituição que o financiou.

Os pesquisadores a fim de serem reconhecidos buscam temas que terá chances de ser reconhecido como importante ou interessante. Como Burdieu (1976, p. 1254) trás, “a tendência dos pesquisadores a se concentrar nos problemas mais importantes se explica pelo fato de que uma contribuição ou descoberta concernente a essa questão traz um lucro simbólico mais importante.”

A autoridade sobre a o capital social assegura o poder sobre os mecanismos que constituem o campo de pesquisa, podendo ser posteriormente convertido em capital de outras espécies. Não sendo aceito pelos pares-concorrentes, que um cientista recorra à impressa cotidiana para divulgação de suas pesquisas, recebendo descrédito, pelo fato de o campo cientifico distinguir publicações e publicidade. Logo “a autoridade científica é, uma espécie particular de capital que pode ser acumulado, transmitido e até mesmo, em certas condições, reconvertido em outras espécies.” (BOURDIEU, 1976, p. 130)

O campo científico é definido pelas relações que as intuições e os protagonistas das pesquisas têm com o a distribuição de capital. Os assuntos escolhidos para as pesquisas Estão cada vez mais assuntos produtivos, ou ambiciosos, estando relacionado ao capital que será investido. “Com efeito, toda carreira se define fundamentalmente pela posição que ela ocupa na estrutura do sistema de carreira possível” (BOURDIEU, 1976, p. 136)

Estabelece que o campo científico é um lugar de batalhas desiguais entre os agentes de pesquisa e os detentores do capital, pois sem capital os cientistas não são capazes de se apropriarem de instrumentos de pesquisa disponíveis. “os interesses que os motivam e os meios que eles podem colocar em ação para satisfazê-los dependem estreitamente de sua posição no campo, isto é, de seu capital científico e do poder que eles lhes conferem sobre o campo da produção e circulação cientifica e sobre os lucros que produz.” (BOURDIEU, 1976, p.136)

As transformações no campo científico preenchem funções ideológicas por que universalizam as suas propriedades, sendo capaz de resolver todas as questões a ela conferidas cientificamente colocadas. Onde os cientistas buscam legitimar-se especificamente, ou seja, “matemática os matemáticos”, onde alguns instrumentos de pesquisa controlam e algumas vezes dominam aqueles que os utilizam.

A crença nos fundamentos da ciência é o principal fundamento das ciências. Onde as estratégias que exprimem ruptura dispõem uma falsa autonomia, sendo considerado como um falsa ciência que se destina a uma falsa consciência, a fim de manter uma ruptura categórica com classe dominante e suas demandas ideológicas e qualquer tentativa não prevista é considerada absurda por parte doas adversários e cúmplices da ciência.

Apresentou-se a idéia de habitus, e discute-se socialmente a idéia de habitus. As classes sociais e suas posições na sociedade representam os diferentes estilos de vida, isto é, o resultado do habitus. Ele conduz a ação, as práticas possibilitando a liberdade dos indivíduos. O habitus é o produto das relações sociais, por isso, ele garante a imortalidade das condições que o fez surgir.

O gosto, propensão e aptidão à apropriação material e simbólica de uma determinada categoria de objetivos ou práticas classificadas e classificadoras, é a fórmula generativa que está no princípio do estilo de vida. O estilo de vida é um diagrama unitário de diferentes preferências, na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos, mobília, vestimentas, linguagem ou héxis corporal, a mesma intenção expressiva, um princípio da unidade de estilo.

Nota-se que o estilo pessoal é produto de uma época, de uma classe ou de um grupo social. Bourdieu faz comparações como: Bar e lar, que simboliza todo um aspecto da oposição entre classes populares e a pequena burguesia, oposição entre champanhe e uísque condensa o que separa a burguesia tradicional e a nova burguesia, cada dimensão de estilo de vidas simboliza todas as outras. A diferença no estilo de vida reside nas variações da distância com o mundo, de suas pressões materiais e urgências: a classe pobre, a dos operários, investe em bens de primeira necessidade e optam por roupa de corte clássico.

Enquanto as classes médias, desprendidas da urgência, quer dizer necessidade, preferem ambientes quentes, íntimo confortável e uso de roupas estilosas, a elite tem uma visão natural de todo isto e necessitam consumir cada vez mais. Os opostos vaiam conforme as distribuições de classes: o que é necessário para um é fútil para a outra.

Quanto mais distante do mundo da necessidade, mais requintado serão o gosto e o estilo. As disposições exigidas pelo consumo de obras legítimas é o que mais diferencia as classes. Como exemplo: identificar se a obra é verdadeira ou falsa, se é do “camelô”. A informação possibilita essas diferenciações. “Escada que era objeto e arte (era uma instalação) e foi levada para o depósito por um funcionário da exposição. Mas não se trata de incompetência, mas de adesão a valores diferentes”.

Gostos pelas histórias e pelos melodramas com intrigas lógicas chamam muito a sua atenção. O que separa as classes é a competência específica, que é uma das condições do consumo de bens de cultura legítimos. Verifica-se que a maioria das pessoas entrevistadas vê a cultura erudita como algo inacessível. Pois somente quem tem domínio do curso superior completo, desejam conhecer obras legítimas e isso tornou-se um atributo estatuário e não um privilégio. É quase uma necessidade para as pessoas, tanto que contribui para que a pessoa não se sinta rebaixada, esforça-se para parecê-lo.

Não há uma opinião contrária á comum: quanto maior a posição social mais a verdade do gosto dependem do ensino. Acontece que há divergência entre os títulos escolares e o gosto cultural. É a partir daí que surge a ideologia do “gosto natural” ou de “berço”: quanto maior o “gosto de berço” maior a legitimidade (infância) x conhecimento aprendido nos cursos.

Para Bourdieu, a democratização da educação vai além do fato de facilitar o acesso à escola. Dentro desta dinâmica que segrega opressores e oprimidos, dominantes e dominados, Bourdieu traz a reflexão a respeito do papel das instituições de ensino, alertando para o fato de que os professores não devem reproduzir as desigualdades muitas vezes tão latentes dentro das salas de aula onde há uma imensa diversidade de capitais, sejam eles econômicos ou culturais. Entender a lógica contemporânea das idéias de Bourdieu desperta nossos olhares não de uma maneira pessimista para a questão das desigualdades, mas para uma dimensão mais crítica sobre o papel da escola e do educador na busca pela democracia.